02 março, 2013

Ópera - 8 ao 12




Londres; Highgate High School; Sexta-feira; 11:59 da manhã;

- Mel . – Sophia disse chegando à mesa onde a amiga se encontrava. Rod , Pentéls e Lua olharam-na curiosos. – Ethan não veio à aula. – passou os olhos por todas as mesas, demorando um pouco mais na dos garotos do time de natação. De fato, ele não estava lá.
- Estranho, não é? – a amiga estreitou os olhos. – Mica também não veio.
- Quem liga pro Borges ? – revirou os olhos, impaciente.
Lua analisou-a. Ela era bonita. Sua pele, um pálido britânico – não tanto quanto a pele de Thur . Estava com os cabelos bagunçados.
- Hey, hey, Soph ! – Pentéls disse levantando as mãos. – Eu sei que o Mica é um bosta mesmo, mas tem pessoas aqui que se importam com ele.
- Então onde é que ele está? – a garota desafiou, colocou as duas mãos na cintura.
- Provavelmente tomou um porre ontem e não se recuperou a tempo. – Rod balançou os ombros de leve, fazendo a prima rir baixo.
- E o Ethan? Ontem nem telefone ele atendeu...
- Sobre esse aí eu não sei nada não. – apoiou os cotovelos na mesa.
- Quem liga pro Ethan? – Pentéls copiou o tom que a garota fez, fazendo-a dar o dedo.
- A questão é que ele sumiu, e eu tenho a estranha impressão que isso está relacionado ao Borges ...

Thur estava escorado no corredor, como sempre na hora dos intervalos, mas dessa vez não estava completamente sozinho. Tinha um livro em mãos.
- Que nojo o mundo, esse jardim de ervas daninhas. – riu baixo, dando um sorriso sombrio em seguida.

- Okay, Mel . Todos já foram embora, ainda temos cinco minutos pra chegar à sala. Vamos pensar. – Pentéls apoiou o queixo na mão, fixando o vazio.
- Você sabe que esse nunca foi o seu forte, amor. – a garota deu uma risada.
- Deixa de ser chata. – beijou seu pescoço. Ainda estavam sentados à mesa do refeitório, que estava deserto. – Sobre o que mesmo foram os flashbacks?
- Todos eles foram sobre a Ivane.
- Alguém mais aparecia?
- Em um deles, a Sophia e o Duan. – colocou o dedo indicador na boca, como se analisasse as lembranças.
- E o que eles estavam fazendo? – estimulou o raciocínio da namorada.
- A Soph estava conversando comigo. Estávamos esperando a Iv falar qualquer coisa com o ele na porta do ginásio.
- E o que teve em comum entre os dois flashbacks? – perguntou calmamente.
- Em comum...? – Melanie estreitou os olhos. – Deve ser que todos os dois foram... – uma luz lhe veio à cabeça.

Arthur ainda estava com as costas apoiadas na parede do corredor quando Lua passou rapidamente por ele, sem olhá-lo. Ela estava o ignorando?
A menina tinha os cabelos presos por um rabo de lado, deixando à mostra sua nuca. Thur expirou mais devagar ao vê-la. Ela passava a impressão de ser tão indefesa...
- Hey, você. – disse alto pra que ela o ouvisse. Por que estava se preocupando tanto com essa garota? Por que ela?
- Pois não? – Lu virou-se a contragosto. Algumas pessoas que passavam pelo corredor olharam pros dois.
- Você se incomodaria muito de vir aqui? – olhou pra baixo. O que, diabos, tinha dado nele?
Lua deu passos largos em sua direção, apesar da expressão séria.
- O que foi? – perguntou.
- Eu... – o rapaz coçou a cabeça, sem graça. – Trouxe esse livro. Acho que pode nos ajudar nos estudos sobre...
- Contos de Shakespeare? – ela o interrompeu, lendo o título, na capa.
- É um resumo.
- Ah, bom. – um breve silêncio se instalou entre os dois, fazendo com que ela cruzasse os braços atrás do corpo.
- Olha... – o garoto começou a falar, pigarreando em seguida. – Se quiser, não precisa pegar táxi pra ir pra casa.
- Está me oferecendo uma carona hoje de novo, Aguiar ? – arqueou uma sobrancelha, desconfiada. Quem era ele e o que tinha feito com o impenetrável Arthur Aguiar ?
Lua acabou segurando um sorriso, ao ter esse pensamento.

Entrou na sala encucada. No dia anterior mesmo o garoto a tinha chamado de dor de cabeça. Não com essas palavras, mas tinha. Ela era um atraso de vida pra ele, no fim das contas. Então pra quê oferecê-la carona?
Andaram lado a lado no corredor sem trocar uma palavra um com o outro. Thur parecia estar um pouco mais corado do que de costume. Tão pouco que era quase imperceptível. Não aos olhos dela. Por que ela percebia esse tipo de alteração nele? Isso era um mistério. Aliás, tudo o que rodeava Arthur Aguiar era um mistério. Sua vida, suas preferências, sua relação com Ivane Whinsky...

O celular de Rod vibrou duas vezes no meio da aula do senhor Walker, acordando-o de seus pensamentos sobre o ano anterior. Quanta coisa tinha acontecido!
Tirou-o do bolso cuidadosamente, pra que o homem grisalho não o visse. Tinha recebido uma mensagem. De Mica .

- Opa! – Duan gritou ao esbarrar em Lua no corredor, depois do sinal do fim da aula.
Vários alunos perambulavam pelo corredor, tornando o local cheio, como num formigueiro.
- Já é a segunda vez. – Lu riu sem graça olhando em seus olhos esmeralda. – E aí, como vai?
- Muito bem, garota brasileira. E você? – ele esboçou um sorriso provocante.
- Bem, também. – Lua colocou uma mecha do cabelo que tinha soltado da gominha pra trás da orelha, sem jeito.
- Está indo pra casa agora?
- Estou, na verdade. - ela respondeu.
- Posso pelo menos te acompanhar até o carro? – estendeu a mão como se pra segurar a pasta dela.
- Po... – Lu gaguejou, observando um garoto passar andando ao seu lado. – Pode.

“Lua e Duan?! Hunf.” Thur pensou ao passar pelos dois, ficando ainda mais sério do que de costume. Aquela garota parecia ter o poder de atrair a todos. E ele sabia que se incluía nisso...

Londres; Highgate High School; Sexta-feira; 5:13 da tarde;

- Me atrasei? – Lu chegou ofegante à garagem, já podendo observar o rapaz na posição de sempre, encostado ao Audi. - Ah, é claro que sim.
A expressão de poucos amigos dele indicava que devia estar no mínimo aborrecido. Ela abaixou um pouco a cabeça, esperando algum tipo de resposta mal educada, mas sabendo que ele tinha toda razão, já que ela o atrasara.
- Tudo bem. – ele disse gentilmente, surpreendendo-a.
Thur abriu a porta para que a menina entrasse, assim como fizera no dia anterior. Para ela, definitivamente, nada mais fazia sentido.
Observou-o entrar pela outra porta, já colocando o cinto e girando a chave.

- Olha lá, Scott. – Bennet disse entre os carros, fazendo o amigo espiar o veículo que se afastava. – Eles estão mesmo de casinho.
- E isso é ótimo. – o outro deu uma risada sombria.

- Eu não te entendo. – ela disse enrolando uma mecha no cabelo. O garoto a olhou de rabo de olho. – Uma hora não me quer por perto. Volta atrás. Fala que eu sou uma dor de cabeça, e depois age como se estivesse arrependido. Vamos lá, Thur , qual é a sua? – juntou as sobrancelhas. Ela já parecia à vontade em chamá-lo pelo apelido.
Arthur continuou a olhar pra frente por alguns instantes, depois respirando fundo e murmurando as palavras:
- Você não é uma dor de cabeça, Lua . – chamou-a pelo nome pela primeira vez, fazendo com que o sangue percorresse mais quente tanto em seu corpo quanto no dela.
- Pode me chamar de Lu . – disse automáticamente.
- Okay, Lu . – ele curvou os cantos da boca, numa tentativa falha de sorriso. – Você não é uma dor de cabeça pra mim.
- Mas eu te perturbo. – os olhos dele se estreitaram. Não tinha como discutir sobre isso.
Ambos permaneceram um tempo em silêncio, fazendo com que ele apertasse o botão de ligar o rádio.
Thur batia os dedos no volante no ritmo da música, enquanto Lu pegava o papel da capa do CD pra olhar a letra.
- Você em seu mundo, separado do meu por um abismo. Ouça, me chame e eu voarei para o seu mundo distante. – a garota traduzia pro inglês a música de Andrea Bocelli, fazendo Arthur tampar a respiração por alguns instantes. – Por você eu voarei. Espere por mim, eu chegarei. Você é o fim da minha viagem. Por você eu voarei por céus e mares, até o seu amor. Quando abrir os olhos, por fim, com você vou estar... - sentiu o coração descompassar por alguns segundos, depois virou seu olhar terno na direção do menino e perguntou, com a voz doce: - Está apaixonado, Thur ?
O carro entrou em alguns segundos silenciosos. Depois de um momento, o rapaz deu um sorriso torto e respondeu:
- Eternamente. – Lu olhou pra baixo, sentindo um calor em seu peito, depois em seus olhos. Era uma reação estúpida, ela julgava. – E você?
Ela pensou por um momento.
- Acho que sim.
- E onde ele está?
- Muito distante. – riu baixo. – O oceano nos separa. – tornou novamente a olhá-lo. – E ela?
- Somos separados por um abismo muito maior que o oceano. – sussurrou, fazendo-a se calar.

Londres; Lowden Avenue; Sexta-feira; 8:57 da noite;

- Entrega logo pra ele, Kimberly. – Brittany ordenou, fazendo a garota estender um envelope.
Estava escuro, mas não o bastante pra que os rostos naquela rua ficassem irreconhecíveis. O homem que recebia o papel das meninas deu um sorriso malicioso. Tinha uma cicatriz na bochecha.
- Essa é a última parte do pagamento, nunca mais nos procure. – Kim irritou-se com os braços trêmulos.

----------------------------------------------------------Capítulo 9-----------------------------------------------------------

Londres; Oxford Street; Sábado; 7:17 da noite;

“Ei, Nick.
Você deve estar estranhando minha demora pra lhe escrever alguma coisa. A verdade é que eu não sabia exatamente o que escrever. Agora eu sei...
Se há alguma coisa que mexeu comigo e que eu aprendi vindo pra Inglaterra é que você deve cuidar muito bem do seu amor... Antes que ele escape por entre seus dedos ou se vá para sempre. É uma lição bonita, não? Pra quem ainda tem tempo de aplicá-la... Eu, felizmente, tenho.
Hoje mesmo estava lembrando de você. Não que eu já não faça isso frequentemente, mas hoje foi especial. Era como se você estivesse aqui... Fiquei com saudades. Queria te ver...
Bem, acho que já tenho que ir. Rod e o tio estão me chamando na cozinha.
Espero notícias e... Nick...
Nunca se esqueça que eu te amo,

Lu.”

A garota desligou o computador, passando os dedos entre os cabelos lisos e suspirando. Estava sentada à cama, onde tinha passado um bom tempo pensando nas palavras de Thur: “Somos separados por um abismo muito maior que o oceano”.
O namorado estava no Brasil. Ainda pensava nele antes de dormir, e era uma figura que sempre aparecia em seus sonhos.
Não podia dizer com toda certeza que o amava, afinal, o que era o amor? Mas com certeza ele era alguém que significava algo especial pra ela. A quem ela tinha um carinho imenso.
Calçou os chinelos e desceu as escadas para a cozinha, assim que tio John gritou por ela novamente.

Londres; Dockland; Sábado; 7:23 da noite;

“Você em seu mundo, separado do meu por um abismo. Ouça, me chame e eu voarei para seu o mundo distante.” Estava sentado à frente da vidraça, com o cachorro Spike.
A voz de Lua ecoava por sua cabeça, traduzindo uma música que tinha um significado tão peculiar pra ele. ‘Voarei para o seu mundo distante.’ Pensou, fechando os olhos e se perdendo em lembranças.

“- Hey, qual é. Pare de se fazer de difícil. – disse, dando um sorriso tarado, seguindo-a em direção aos fundos do ginásio. Era após um jogo de campeonato de futebol dos Eagles. Estava completamente escuro.
A garota vestia o uniforme azul e branco de torcida da escola: colado e curto. Esboçava um sorriso maroto, fazendo sinal com o dedo para que ele a acompanhasse.
- Nem vem, Aguiar. Você acha que tem alguma chance comigo? – deu uma gargalhada alta. – Sou demais pro seu caminhãozinho.
O garoto viu-a escorar na parede, postando-se a sua frente. Estavam sozinhos ali, e os únicos sons que preenchiam o local, fora a voz dos dois, era da música do campo, bem longe de onde estavam.
- É isso o que vamos ver. – Thur espalmou as mãos em sua cintura, juntando seus lábios. Sentia a garota sorrir enquanto suas línguas se tocavam rapidamente.”

- Acabou, amigão. – observava as luzes de Londres. A vidraça era como um grande espelho que ocupava uma parede inteira. Olhou os carros passando andares abaixo... Muito abaixo. Teve um pensamento que fez o coração acelerar. É... Talvez fosse o que devesse fazer.
“- Você não sabe nada sobre mim.
- Que tal começar a me contar? – ela deu um sorriso doce.”
‘Essa garota...’ Sorriu sombriamente, passando as mãos pelos pêlos dourados do cachorro.
- Tudo é negro para minha vista se você não está comigo, aqui. – traduziu outra parte que lembrava da música, cerrando os olhos antes que começassem a arder.
O cômodo ficou em silêncio durante um largo momento, até que uma voz conhecida e esganiçada rompesse por seus ouvidos.
- Mar-ga-ri-da! – ouviu pancadas na porta do apartamento. – Trouxe pizza pra gente comer. Vai abrir ou não?
Levantou-se amargamente, dando passos pesados naquela direção.
- Às vezes você é um pouco irritante demais, Duan. – disse abrindo a porta e já vendo o rapaz entrar à vontade. Thur estava sem camisa, com uma calça de pijama longa e cinza.
- Pizza de peperoni. Sua favorita, não? – o loiro colocou a caixa com a pizza em cima de uma bancada de mármore improvisada na “cozinha”. – Você está um pouco pra baixo, achei  melhor eu, em toda minha gostosura, vir aqui te animar.
- Hm. – respondeu desinteressado, sentando-se, assim como o amigo, em um dos bancos em frente à bancada.
- Olha que delícia. Ardidinha. – Duan abriu o pacote, deixando o cheiro se espalhar pelo ambiente e o cachorro inflar as narinas com o aroma.
Esse pegou um pedaço, sem cerimônias, e encheu a boca com o mesmo, sorrindo satisfeito. Arthur, enquanto isso, se lembrava de um pequeno momento vivido na escola, e não hestiou em perguntar, sem mais nem menos:
- De onde você a conhece? – apoiou o cotovelo na bancada.
- Quem? - Duan perguntou com a boca cheia, pensando se tinha perdido parte do assunto.
- Lua.
- Ah. Ela é amiga da Melanie. – balançou os ombros. Thur sentiu o coração bombear calor pro resto do corpo.
- Só isso? - arqueou uma das sobrancelhas, estranhando sua própria curiosidade.
- Ela é muito gata. – o loiro voltou a dar uma mordida cheia na fatia. – Por quê? Está interessado? Senão é toda sua...
- Não. Pode ficar se quiser. – respondeu friamente.
O amigo estava com a bochecha cheia, analisando-o e medindo a verdade em suas palavras. Como não viu hesitação, apenas ignorou e continuou com seu lanche.

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 10:30 da manhã;

Estava na hora da troca de horários na Highgate High School. Os alunos foram para os corredores em direção a seus armários, para trocar seus livros e mudar de sala.
- Borges! – o rapaz ouviu Sophia gritar, acelerando ainda mais os passos para longe dela. – Borges! – sua voz estava furiosa, assim como sua mão, que lhe agarrou o braço, forçando-o a se virar pra ela.
A garota olhou com um misto de nojo, pena e raiva pro corte na sobrancelha do menino.
- Ethan me contou o que aconteceu... COMO ASSIM você se atreve a bater no meu namorado? Sem mais nem menos? – colocou as duas mãos na cintura. – Você bebe?
- Bebo. – Mica disse, tão irritado quanto. – Mas ele mereceu. E aposto também que o namoradinho não contou a história inteira...
- Que história inteira? – Soph franziu o nariz, com a voz já estridente.
- Olha isso antes de falar alguma coisa. Se você é tão boa, já devia ter suspeitado. – Micael disse alto, tirando do bolso o celular e mostrando pra garota uma foto: Ethan agarrando-se com outra no canto do pub. – Se quiser, pode conferir a data. Tirei porque depois não ia ter como provar.
- Isso é... – a voz dela falhou. Seus olhos ficaram quentes e marejados.
- Você é uma corna, e eu só te fiz um favor. – Mica expirou mais devagar, esperando alguma reação dela como um beijo, ou no mínimo um "obrigada", que acabou por sair completamente contrária. Sophia meteu-lhe um tapa no rosto.
- Corna duas vezes, então. – disse, com a voz embargada pelo choro, e saindo de perto dele com passos acelerados.

- Lindo quinteto de dedos na sua bochecha, Mica. – Rod comentou na hora do intervalo, fazendo Pentéls gargalhar. Melanie e Lua estavam na fila da cantina.
- Ela não acredita em mim. – resmungou.
- Eu também não acreditaria. – Pentéls manifestou-se. – Dadas as circunstâncias...
- Estou dizendo, dude. Armaram pra mim. Eu não fiz aquilo!
- Ok, Mica. – Rod fez cara de tédio. – Vamos supor que você não tenha bebido e feito aquilo sem pensar. Quem teria armado pra você e com que propósito?
- Eu não bebi. – o garoto expirou impaciente. – Primeiro porque mesmo estando bêbado eu tenho consciência dos meus atos... Ou pelo menos me lembro deles... E segundo porque no dia seguinte nem de ressaca eu estava.
- Tudo bem, gênio. – Pentéls encheu a boca de batatas fritas. – Quem armou pra você, então?
- Kimberly. – disse o nome com raiva.
- Por que ela teria feito isso?
- Porque... Ela. Gosta. De mim. Oras! – falou soletrado, fazendo com que os amigos o encarassem durante um tempo, depois caindo na gargalhada.
- Custamos a acreditar que a Sophia caiu na sua laia, dude. Kimberly já é demais. – Dourado colocou a mão no abdômen.

- Lu... – Melanie disse, segurando o braço da garota enquanto estavam na fila, fazendo-a a encarar. – Preciso conversar com você.
- Diga.
- Eu... – media palavras. – Meio que... Preciso da sua ajuda.
- Estou a sua disposição. – a outra deu um sorriso meigo. – Em que precisa? Literatura? História? Problemas amorosos com Pentéls? – brincou, fazendo a amiga rolar os olhos. Depois de algum tempo em silêncio, o semblante de Melanie se alterou completamente, do brincalhão para o sério.
- É um assunto... Grave. – abaixou o tom de voz.
- Ok, você está começando a me preocupar... – O que poderia ser?

- “É uma infelicidade da época que os loucos guiem os cegos.” – Thur disse, sentado ao lado de Lua, na aula de literatura. Suas cadeiras estavam juntas e eles tinham conseguido manter uma conversa agradável sobre o trabalho, até então. – Gosto de Shakespeare.
- Eu também. – a garota apoiou o cotovelo na mesa e o rosto na mão. – Era uma pessoa que sabia o que dizia... – um breve silêncio se instalou entre os dois.
Lua relembrou os dias anteriores, pensando no quanto tinha se sentido bem ao receber a carona de Arthur. O quanto tinha se sentido aconchegada ao seu lado. O quanto tinha se sentido estranha ao ouvi-lo pronunciar certas palavras...
– Thur?
- Hm?
- Qual é o abismo? – perguntou simplesmente, fazendo o rapaz olhá-la de rabo de olho.
Ele estava como sempre: cabelos bagunçados, bochechas levemente rosadas, mangas da blusa social arregaçadas, olhos duros. Frios, foscos. Pareciam guardar algum mistério, segredo...
Arthur sempre fora um dos “queridinhos” das meninas, apesar de que agora, maioria delas - pelo menos as prudentes - resolvia ficar longe dele. Não entendia Lua. Não entendia a curiosidade da garota por sua vida. Não entendia seu sorriso sempre meigo, apesar de tratá-la com frieza. E o que mais não entendia, era sua atração quase magnética por ela... Por que ela?
Ficou em silêncio, obviamente deixando claro que se sentiria desconfortável respondendo aquela pergunta. Oh, desconfortável era eufemismo...
- É a vida e a morte, Arthur? – perguntou pesarosa. O garoto sentiu o coração descompassar, apenas tendo uma reação: virar seu olhar pra frente. Lua soltou um suspiro pesado ao vê-lo fazer isso.

As garotas estavam sentadas na grama perto do ginásio, matando o quarto horário. Kimberly fixava o vazio enquanto Brittany acendia o isqueiro e dava uma tragada no cigarro em seus dedos.
- Merda. – a primeira balbuciou, tacando uma pedrinha a metros de distância. – Tomara que aquele cara nunca nos procure de novo.
- Ele não vai, Kim. – a loira revirou os olhos, como se fosse óbvio. – Ele tem tanto a perder quanto nós.
- Por que mesmo nos metemos nessa merda de situação?
- Os fins justificam os meios. – soltou a fumaça.
- Você ainda acha que o Aguiar vai te querer depois de tudo? – perguntou quase inocentemente, fazendo a amiga tirar as costas da parede para encará-la.
- Óbvio que vai! Ele não sabe de nada... Nem vai ficar sabendo. – respondeu nervosa. – Ele é meu, Kimberly.
- Quem me dera saber como é amar alguém... – Kimberly deu uma risada abafada.
A morena deu uma olhada no local, tendo uma lembrança: talvez o início de tudo aquilo...

“- Olha lá, Brit! – falou boquiaberta, chegando cautelosa atrás do ginásio.
- Não acredito. – a amiga deu uma risada de deboche. O céu já estava negro. – Ele com a... Iv?
As duas observavam um casal que se beijava intensamente, e que vez ou outra deixavam as mãos percorrerem livremente o corpo do outro.
- Vaca. – a loira rosnou por entre os dentes, observando o garoto puxar a blusa da menina pra cima.
- Wow! As coisas estão esquentando por aqui... – Kimberly deu uma risada pervertida. – Vamos embora, Brittany.
- Coitada da Iv se ela acha que vai ficar por isso mesmo. – murmurou, antes de virar as costas e se afastar.”

A sala de aula estava uma paz aquela hora...
- Okay, Melanie. Desembucha antes que o Rod pire com a minha demora. – Lua cruzou os braços ao se sentar do lado da amiga, no fim do horário.
Melanie prendeu os cabelos longos em um coque, sentindo um suor gelado brotar em seu pescoço. Talvez não fosse tarefa dela tratar desse tipo de assunto com a menina, mas ela precisava saber o que queria... E seria com a ajuda dela.
- Lu... Você já ouviu falar... – pigarreou. – De Ivane Whinsky? – falou um pouco mais baixo, vendo que algumas pessoas ainda estavam na sala.
Lua encarou-a durante um largo momento, depois deu um suspiro pesado e respondeu:
- Já. – Melanie expirou rapidamente, aliviada ao saber que não seria a primeira a tocar naquele assunto.
- O que, exatamente, você sabe sobre ela?
- Não muito. – Lu olhou-a preocupada, depois deixou seu olhar cair. – Ela era sua amiga e da ex-namorada do Mica. Foi assassinada ano passado e se parecia muito comigo... Só.
- Você é a cara dela. – a garota deu ênfase.
- Não entendo o que eu possa te ajudar com relação a isso... – Lu estava confusa.
- Você... – Mel analisou a última pessoa que saia da sala, deixando-as sozinhas. – Tem ideia de como ela morreu? – Lua balançou a cabeça para os dois lados, em negação. – Ela levou um tiro... À queima roupa.
A menina dos cabelos escuros engoliu a seco. Era um jeito horrível de se morrer... Uma morte brutal. Rápida.
- Ainda não entendo. – disse com a voz falha. – Quem... A matou?
O silêncio reinou pelo ambiente enquanto Lu se perdia em perguntas, fixando seu olhar nos olhos pesarosos de Melanie.

- Pentéls, eu ainda não entendo porque me chamou aqui. – Rod disse, mordendo um cachorro-quente, na lanchonete em frente à escola.
- Queria ficar a sós com você... – Chay brincou, fazendo o amigo dar o dedo, e em seguida gargalhando.
- Sério, dude. O que foi? – encarou-o desconfiado.
- Melanie está conversando com a Lu...
- E...?
- Sobre a Iv. – disse devagar, fazendo com que Rod se engasgasse.
- Por quê? - ele perguntou entre soluços.
- Escute tudo antes de dar palpite, okay, mate? – o outro perguntou com cautela.

- Festinha na sua casa? – Duan perguntou, sentado a duas mesas dos outros dois rapazes, na lanchonete. Estava conversando com o capitão e o zagueiro do time de futebol.
- É, meu chapa. Morar sozinho tem suas vantagens... – Bennet gargalhou.
- Ótimo. – o loiro deu de ombros. – Que dia?
- Sexta à noite. Chame quantas pessoas quiser. – sorriu maliciosamente. – Quanto mais, melhor.

O garoto andava inexpressivo até o Audi preto, passando pela grama do pátio da escola. Incomodava-se com o barulho. Incomodava-se com as pessoas. Incomodava-se com o ambiente...
- Thur! – ouviu uma voz feminina gritá-lo.
‘Merda’ pensou, antes de olhar friamente por cima dos ombros.
- Por que não me ligou depois? – a garota dos cabelos loiros e longos fez bico. Ela tinha os olhos muito azuis e um rosto que, se não fossem as circunstâncias, ele acharia bonito.
- Depois de quê, Brit? - estava completamente impaciente.
- Você sabe... – ela o abraçou pela cintura, sorrindo insinuante.
- Brittany, olha... Eu estou sem tempo, agora. Não posso conversar. – afastou seus braços e continuou seguindo para o veículo, deixando uma menina furiosa pra trás.
'As coisas não serão novamente assim... Não mesmo!' ela pensou, soltando quase um rugido.

- Ninguém sabe ao certo... – Melanie respondeu, depois de alguns largos segundos em silêncio.
- Como assim ninguém sabe? Ninguém foi preso? A polícia não foi atrás do culpado? – Lua assustou-se.
- Até que foi... Um jardineiro. Mas não acredito na culpa dele...
- Mel! – a garota levou a mão a boca. – Quer dizer que o criminoso pode estar à solta?
- Ele está à solta. – Melanie enrijeceu o maxilar, estreitando os olhos. Lua sentiu o coração bombear mais fortemente, com a declaração.
- Como você tem certeza? – perguntou baixo.
- Eu o vi.
-------------------------------------------Capítulo 10-----------------------------------------------------

Londres; Segunda-feira; 5:11 da tarde;

Lua observava as figuras embaçadas passarem rapidamente através do vidro do carro em movimento. Estava escorada na porta, e os únicos sons audíveis no ambiente eram o de sua respiração e o da respiração dele.
Thur, como todo dia depois do treino, estava vestindo o uniforme do time. Seu rosto e pescoço estavam suados, o que o fazia ter uma leve sensação de calor. Uma sensação que se intensificava com aquela garota ao seu lado...
- Essa escola me intriga. – ela disse em meio a um suspiro, fazendo-o olhá-la.
Arthur sentia um agradável sentimento no peito quando mirava a figura doce de Lu. Talvez porque ela se parecesse com Ivane. Mas, não... Tinha algo a mais...
- Por quê? – voltou a prestar atenção na estrada.
- É apenas... Intrigante.

“- Você viu o assassino, Mel? – perguntou surpresa, e ao mesmo tempo, aterrorizada. – Quem é? Por que você não chamou a polícia?
- E do que ia adiantar? – a menina deu uma risada histérica. – Lu, eu o vi. E eu teria o entregado pra polícia, se não fosse...
- O quê? – a amiga perguntou preocupada, segurando o ombro da garota.
- Eu fui atropelada naquele dia... – fechou os olhos, sentindo as lágrimas se formarem. – Bati a cabeça e perdi parte da memória. – duas lágrimas gordas rolaram por suas bochechas. Lua sentiu as pernas tremerem, ficando estática. – Eu não sei quem era o motorista. Só sei que Pentéls me encontrou na rua poucos minutos depois.
- Mel... – a menina disse, sentindo a dor da amiga e ajoelhando-se pra abraçá-la. Melanie correspondeu o abraço fracamente. – O que eu posso fazer pra ajudar?
- Você parece muito a Iv. – soluçou, apertando suas mãos nas costas de Lu. – Você me estimula a captar as lembranças perdidas. Por favor. Por favor, fique perto pra que eu possa relembrar aquela semana... A semana do assassinato. – sua voz estava alterada e seu rosto vermelho.
Lu emocionou-se, fechando os olhos, que também começavam com uma leve ardência. O sentimento de Melanie deveria ser horrível. Na verdade, o de todos. A morte era uma coisa definitiva. Não se dava pra voltar atrás. Era o conceito do “nunca mais ver” o qual as pessoas dificilmente se acostumam, ainda mais estando relacionado aos parentes, ou aos amigos... Ivane era nova demais pra morrer. Saudável demais pra morrer. Viva demais pra morrer...”

- Chegamos. – ele disse, após a viagem silenciosa.
- Obrigada, Thur. – ela respondeu, abrindo a porta e se impulsionando pra fora do veículo.
- De nada, Lu. – encarou-a por alguns segundos.
Arthur ainda era apaixonado pela Ivane. Lua sabia que sim, apesar de ele não ter dito com palavras. Sentia o coração apertar toda vez que o olhava, e pensava em como ele deveria se sentir querendo vê-la e simplesmente... Não podendo. Nunca mais.
Ficaram um tempo olhando um pro outro enquanto ela segurava a porta.
A garota sentiu os joelhos renderem, caindo ajoelhada no banco novamente. Seus olhos estavam marejados, e os impulsos de sua mente misturados com os apelos de seu coração fizeram com que ela estendesse a mão esquerda na direção de Thur e puxasse seu rosto, encostando rapidamente seus lábios macios em sua bochecha suada. Seu coração acelerou ao fazer isso, sentindo um leve formigamento na boca ao contato com a pele do rapaz.
Arthur tampou a respiração durante o tempo em que ela estava próxima. Muito próxima. Sentiu o sangue passar quente por suas veias nessa hora. Sua vontade era de tomá-la nos braços... Mas, espera! O que diabos ele estava pensando? Como podia sequer cogitar uma coisa dessas?
- Vai ficar tudo bem. – ela sussurrou em seu ouvido, assim que separou os lábios quentes de seu rosto.
Depois de alguns segundos, o garoto ouviu a porta do carro ser batida. Ele ainda fixava o vazio. O vazio que, pela primeira vez, lhe parecia solitário.
“Vai ficar tudo bem” Ninguém nunca havia lhe dito algo assim... Essa garota...

Londres; Greenwich; Segunda-feira; 6:32 da tarde;

- Você disse a ela, Mel? – Sophia perguntou, colocando um morango com chantilly na boca. Estavam sentadas à pequena mesa da cozinha.
- Disse. Felizmente ela não se assustou tanto quanto eu imaginava...
- O que é muito bom. Talvez finalmente possamos saber a resposta... – estreitou os olhos, tomando um repentino tom sério.
- Soph... – Melanie colocou o dedo indicador no queixo. – Tem absorvente pra me emprestar?
- Está no banheiro. – sorriu simpática. A amiga se levantou, indo em direção ao quarto e sumindo de vista. – Eu tenho de sobra... – murmurou.
Sophia fechou os olhos por alguns segundos, lembrando-se da tarde que tivera. Tinha discutido com Ethan e terminado o namoro. Ela tinha sido chifrada e isso não era o que mais lhe incomodava. Era o fato do ex-namorado não estar nem aí pro término deles...

Londres; Wimbledon; Segunda-feira; 7:03 da noite;

- Aqui está o envelope que me pediu. – o homem grisalho, que vestia um terno cinza, entregou o papel ao garoto. Estavam num escritório pequeno e escuro. Os únicos raios de luz que chegavam ao local eram os que passavam através das persianas.
- Obrigado. – Thur disse baixo, abrindo o envelope e puxando pra fora seu conteúdo.
Seu rosto se empalideceu ainda mais. A vista embaçou e as mãos ficaram geladas.
- Você está bem, rapaz? – o homem perguntou, vendo-o levar uma das mãos aos olhos e soluçar.
- Eu... Vou ficar.

Londres; Highgate High School; Terça-feira; 11:54 da manhã;

- Lu! – ouviu uma voz masculina chamar por ela. Estava andando pelo corredor branco da Highgate, em direção ao refeitório. Virou-se, dando de cara com lindos olhos verdes a encarando.
- Duan. – falou surpresa.
- Seguinte, gata. – o menino passou o braço pelo seu ombro. – Vai à festa do Bennet?
- Bennet...? Capitão do time de futebol? – juntou as sobrancelhas. – Não fui convidada...
- Acabou de ser. – o garoto alargou o sorriso.
- Tenho que ver com o Rod se ele vai...
- Aquele primo seu?
- É...
- Não precisa depender dele. Eu te busco em casa, se você quiser. – colocou as mãos nos bolsos.
- Vamos ver, Duan. Vamos ver...
- É sexta, hein? Não esquece.
A garota sorriu leve, olhando pras pessoas no corredor que ainda a olhavam estranho. Tudo bem. Ela não ligava mais. Talvez porque soubesse o motivo. Ou simplesmente, tivesse se acostumado...

- Sabe no que eu estou pensando, Pentéls? – Melanie perguntou enquanto estava na fila da cantina. O namorado estava logo atrás.
- No quê, meu bem?
- Que as lembranças não foram aleatórias...
- Como assim? – via a menina pegar uma bandeja.
- Eu não lembrei por acaso. Não tinha só a ver com a Lua... – fez uma pequena pausa, olhando-o em seguida. – Quando eu tive os flashbacks, ela estava exatamente no lugar onde a Iv estava quando aconteceram...
- Wow. – tentou digerir.
- E não é só isso, Pentéls. – abaixou o tom de voz. – Há uma coisa que eu preciso entender melhor. Eu me lembrei disso hoje...
- O quê?
Senhora Paskin estava atenta aos barulhos de seu salto no corredor vazio. Carregava algumas folhas com o pescoço erguido e a expressão sempre séria. Nunca tinha conseguido se recuperar depois da morte do marido, num acidente de carro. Desde então tinha se tornado uma pessoa completamente ranzinza e triste.
Observou um garoto escorado na parede. Esse alternava seu olhar do vazio pra um livro grosso de capa vermelha. Tinha os olhos sofridos, assim como os dela. Entendia a sua dor...
- Arthur. – ela disse, acordando-o de seus pensamentos.
- Senhora Paskin. – cumprimentou-a.
- Vai passar todos os seus intervalos aqui?
- Prefiro. Longe deles. De todos. – estreitou os olhos. A senhora encostou-se ao seu lado, soltando um suspiro pesado.
- Esse não é o mesmo menino dos olhos esperançosos que me chamava de mãe no primário. – ela esboçou um sorriso.
- E essa não é a mesma mulher feliz. – retrucou.
- Acho que a vida nos passou a perna, meu querido.
- Desculpe-me, senhora. Mas acho que mais em mim. – deu uma risada fraca e sem humor.
- Algumas quedas servem pra que nos levantemos mais fortes. – ela disse com a voz terna. O garoto a olhou em seguida. – William Shakespeare.

Londres; Highgate High School; Terça-feira; 4:54 da tarde;

- Andem, molengas! Vocês estão parecendo um bando de mulherzinhas! – o treinador Stevens gritou, e como de costume, permitindo que uma veia se ressaltasse em seu pescoço. – Thur, sua vez de bater o pênalti!
O garoto assentiu, parando de tocar a bola pra Bennet e mais dois garotos e se dirigindo pra próximo do gol, onde Duan se aquecia para defender.

- Merda. – Melanie disse, sendo apoiada por Lua. Seu braço estava em volta dos ombros da garota, que caminhava devagar pra fora do ginásio pra que a amiga manca pudesse acompanhá-la. – Por que eu tinha que torcer o pé? Desculpe-me, Lu. De verdade mesmo. Você não precisava estar aqui.
- Tudo bem, Mel. Eu já estava louca pra arrumar um pretexto pra ir embora mais cedo. – deu de ombros. – Aonde você quer ir?
- Vamos ver o futebol masculino. – sugeriu.
As duas andaram devagar até a quadra de grama, onde aconteciam os treinos de futebol. Sentaram-se num banco ali perto, observando alguns garotos rolarem as bolas uns pros outros ou ensaiarem dribles. Os olhos de Lu percorreram cada um até finalmente pousarem em um garoto com os cabelos já molhados de suor. Esse pegava uma das bolas e a colocava na marca do pênalti.
- Lu! – Duan gritou do gol, acenando pra garota. Thur bufou, mesmo sem olhá-la.
Ela voltou a passar os olhos rapidamente no local, notando que um dos rapazes grandes e de rosto rude a encarava curioso. Se não se enganava, aquele seria Scott.

Arthur olhou com raiva, e ao mesmo tempo impaciente, pra Duan. O motivo daqueles sentimentos? Ele não sabia, mas com certeza se acentuavam com o sorriso bobo do garoto pra menina ali sentada.
Tinha a observado de canto de olho, analisando, mesmo que rapidamente, cada centímetro de seu corpo: as canelas finas, as coxas grossas, o quadril desenhado, a barriga, o busto, os ombros e, por fim, seu rosto. O rosto com feições delicadas e corajosas. Serenas e selvagens. Odiosas, e ainda assim apaixonantes.
Lua estava com os cabelos lisos e longos presos por um rabo de cavalo. Tinha deixado os lábios rosados semi-abertos, o que fazia o coração do rapaz disparar, mesmo que involuntariamente. Duan continuava a olhá-la, sorrindo maroto e mal-intencionado. Thur tomou impulso, e ágil tocou na bola fortemente com o lado do pé, fazendo com que ela se chocasse contra a rede rapidamente.
- Porra, dude. – o loiro reclamou. – Por que não esperou que eu prestasse atenção?
- Você se distrai muito fácil. – sorriu friamente. – Deveria sempre estar atento.
- Então vamos de novo, margarida. – o rapaz deu um sorriso desafiador, pegando a bola no fundo do gol e arremessando-a de volta pro garoto.
- Como quiser.

- Impressão minha ou um duelo acaba de ser travado? – Melanie deu uma risada cheia. O loiro dava pequenos pulinhos pros dois lados, aquecendo-se, enquanto o outro o olhava como uma águia olha a presa.
- Eles são muito competitivos. – Lu suspirou, abraçando os joelhos. – Thur é habilidoso.
- Ele sempre foi um dos melhores do time. Se não o melhor. – concordou, virando seu rosto lentamente pra amiga.

“- Vai lá, Thur! – a garota gritou, batendo palminhas em seguida. O rapaz virou seu olhar pra ela, sorrindo sem graça.
- Iv, não grita por mim assim. – repreendeu-a. – É só um treino. Você me deixa sem jeito...
- Que lindo. – levantou-se do banco e andou rapidamente na direção do garoto, envolvendo seu pescoço com os braços. – Já disse que você é lindo hoje, Aguiar?
- Não. – Arthur abraçou-a pela cintura, colocando seus lábios suavemente sobre os dela.
- Senhorita Whinsky. – o treinador disse, com um tom de repreensão na voz. – Pela milésima vez, pare de atrapalhar o treino.
- Relaxa, Stevens. – disse leve. – O Thur não precisa de treino e você sabe.
- Iv, qual é! – Melanie falou revirando os olhos. – A treinadora vai pirar se não formos pro ensaio da torcida agora.
- Só é segunda-feira e você já está me dando lições. – bufou irritada, dando um novo selinho no rapaz e indo ao encontro da amiga. – Vamos, então.”

- Segunda-feira... – Melanie disse, focando o vazio com os olhos bem abertos.
- Segunda o que, Mel? – Lu perguntou preocupada, segurando-a pelos ombros.
- Lu. Deu certo. Eu tive outro flashback! – respondeu, animada e assustada ao mesmo tempo.
- O que você viu? O assassino? – a garota perguntou mais baixo.
- Não... Mas uma coisa importante...
- Pode me falar?
- Melhor agora não. – mordeu levemente o lábio inferior, olhando pro lado. – Depois você saberá de tudo. – disse pesarosa. Lua engoliu a seco.

- Uhul! Agarrei sua bola, margarida. – o loiro apontou satisfeito na direção do rapaz com a bola de futebol nos braços. Levantava-se do chão, ainda batendo de leve nos joelhos para tirar a grama que grudara ali.
- Depois da terceira tentativa, dude. – Thur sorriu orgulhoso, olhando discretamente pro banco da quadra, onde as duas garotas estavam sentadas.
Lu observava-o tranquilamente, com certa admiração. O encontro dos seus olhares fazia o coração do rapaz disparar, e o dela não ficava muito pra trás.
- Eu deixei. – Duan deu de ombros, fazendo o mesmo percurso com os olhos que Arthur fazia no intervalo de trinta segundos. – Viu como eu sou bom, Lu? – gritou, fazendo a garota rir baixo e o amigo enrijecer ainda mais sua feição.
Melanie alternou seu olhar lentamente de Thur pra Lua: ele parecia nervoso com as gracinhas de Duan pra garota. Ela parecia sem graça ao olhá-lo.

O menino estava escorado numa árvore do pátio, com os joelhos ossudos flexionados e apontando a câmera fotográfica diretamente pro campo de grama. Bateu dois flashes com os dedos longos e finos, dando uma risada baixa em seguida. Olhou a foto deixando que os olhos se enchessem com a imagem:
- Tão... Linda. – murmurou sorrindo e dando uma roncada.

O treinador apitou o final do treino. Lua viu Thur se dirigir até ela, com o pescoço suado e as bochechas mais rosadas, como de costume depois que treinava. O loiro também acompanhou o garoto com os olhos. Arthur passou as mãos nos cabelos de leve, sentindo a garganta arder com a sede e o coração descompassar ao ver Lua ficar cada vez mais próxima. Apesar disso, não conseguia deter seus passos. Parou há centímetros da garota, estendendo seu braço direito pro lado do banco preto e abaixando-se, pegando uma garrafa de água e em seguida, colocando a coluna ereta novamente e despejando o conteúdo em sua boca.
Lua observava-o quase sem piscar. O garoto tinha uma beleza intrigante e uma atração sobrenatural sobre ela. Mal o conhecia e ele era quase tão especial quanto Nick. Nick. O namorado de quem tanto gostava e que, agora, mal tinha notícias. Por onde andaria?
- Lu. – Arthur chamou-a com a voz dura. A menina estava vidrada em seu rosto e Melanie encarava-o curiosa. – Lu! – falou mais alto, dessa vez, acordando-a de seus pensamentos.
- Oi?
- Vamos? – olhou pros lados inexpressivamente, percebendo que algumas pessoas olhavam em sua direção: Scott. Bennet... E mais alguns babacas.
- “Vamos” aonde? – Melanie quis saber, num tom agudo e preocupado ao mesmo tempo, olhando a amiga.
- Thur anda me dando carona esses dias. – ela deu de ombros.
- Aguiar? – deu uma risada sem humor. – Seu primo sabe disso?
- Não preciso da permissão dele. – Lu disse séria, levantando-se e se colocando do lado do rapaz.
- Ela está certa. – o garoto suspirou pesadamente, apontando pra Melanie com as sobrancelhas. – É melhor que não vá comigo.
- Mas eu vou, Aguiar. – falou decididamente, colocando as mãos na cintura. – Nem trouxe dinheiro pro táxi...
- Faça o que você quiser, Lua, mas só... – a amiga a olhou magoada e pesarosa. – Tome cuidado. – Arthur sorriu secamente quando ouviu as palavras.
- E você, Mel? Pentéls sabe que está machucada? – Lu se ajoelhou na frente da garota.
- Já mandei uma mensagem pra ele. Daqui a pouco estará aqui.
- Vamos, Lu. – o rapaz disse nervoso, coçando a cabeça. – Você sabe que eu detesto ir embora tarde.
- Sem stress, Arthur. – levantou-se prontamente, dando um sorriso.

Duan estaria se incomodando com o fato da menina de cabelos longos parecer tão íntima a seu amigo. Estaria se incomodando com isso, se não fossem assuntos mais urgentes...
Caminhou até seu Toyota azul marinho, deixando todos para trás, sem ao menos trocar sua roupa de goleiro. Discou rapidamente alguns números em seu telefone celular.
- O que você quer, agora? – perguntou rude.
- Eu e você temos assuntos a tratar. – uma voz masculina respondeu, como se estivesse se divertindo. O rapaz sentiu a espinha gelar por alguns instantes.

- Esse seu desprendimento é doentio. – Thur disse com a expressão séria, enquanto olhava pra direção. Já estavam dentro de seu carro, indo a caminho da Oxford Street.
- Essa sua frieza também. – ela respondeu, tirando a gominha e permitindo que seus cabelos caíssem em ondas, na blusa larga do uniforme de educação física.
- Esse seu jeito... – ele juntou as sobrancelhas. – Simplesmente me irrita. Você não sabe nada a meu respeito e ignora os avisos de todos. Como pode ter certeza de que eu não vou parar o carro agora mesmo e me aproveitar de você?
- Faça-me o favor. – a garota revirou os olhos, impaciente. – Você não quer o meu mal. E nem é uma pessoa má.
- Você deveria ter medo de mim. Assim como todos. – ele enrijeceu o maxilar, fazendo uma faísca de determinação aparecer em seus olhos.
- Eu não tenho medo de você. – falou como se fosse óbvio. – E nem terei, Aguiar. Isso é idiota.
- Então veremos. – o garoto sorriu sombriamente, virando o volante na direção da calçada e pisando fundo no freio, fazendo com que alguns carros buzinassem. Lu apertou as mãos em volta do banco, ao ouvir o Audi cantar pneus até o passeio.
Arthur estava disposto a fazê-la se afastar dele. Sim, era isso o que ele queria. Era isso o que essa garota deveria fazer. Ficar longe. Evitaria problemas para ambos. Ela devia temê-lo. Devia vê-lo como uma ameaça. Quando o carro finalmente estacionou, arremessou o cinto pra longe de si rapidamente, já se impulsionando pra esquerda e colocando os joelhos dos dois lados da menina, fazendo com que ela ficasse entre suas pernas.
O coração de Lu disparou ao vê-lo tão próximo. Disparou ao ver o corpo quente do rapaz tão próximo ao seu, que em questão de segundos já estava sendo pressionado ao dela.
- Tira o cinto. – ele ordenou, sussurrando em seu ouvido.
- Vo... – ela tentou falar, com a respiração cortada. – Você não consegue me obrigar, Arthur. – riu em deboche.
Ele sorriu maliciosamente, segurando com força seus braços e tirando o cinto da garota quase com violência. Lua engoliu a seco enquanto ele emaranhava a mão direita em seus cabelos fortemente e juntava seus narizes.
- Admita que está com medo que eu paro. – falou frio. A menina sentiu a respiração do garoto contra seus lábios, de modo que seu coração acelerasse ainda mais.
- Você não é mal, Thur. – sussurrou, com o olhar fixo em sua boca entreaberta.
- Ah, eu sou. – o rapaz colocou a mão esquerda no quadril de Lu, puxando-a pra perto e juntando ainda mais seus corpos. – Você não sabe o que eu sou capaz de fazer. – tentou seu melhor tom maldoso.
Lua ficou sem reação por alguns segundos, o que o fez achar que ela finalmente tinha se rendido e iria ficar longe. Deixou um sorriso vitorioso transparecer, que foi substituído por uma expressão de confusão logo em seguida, quando a garota começou a gargalhar alto.
- O que foi?
- Me mostre, então. – ela disse ainda se divertindo. – Me mostre do que é capaz, Aguiar, e talvez, bem talvez, eu tenha medo de você. – gargalhou novamente.
Ele sentiu a raiva lhe percorrer as veias. O sentimento de irritação e o de impotência poderiam levá-lo a fazer uma loucura bem ali, naquela hora. E ele teria feito, se não tivesse escutado batidas fortes no vidro da janela.
- Jovens, isso aqui é um local público. – o guarda disse em tom repreensivo. – Mantenham o pudor ou terei que prendê-los.
Thur voltou pro seu lugar, respirando fundo.
- Salva pelo gongo. – murmurou, sombrio.
- Claro. – ela rolou os olhos.
A viagem pra casa branca foi silenciosa, enquanto os dois esperavam os batimentos cardíacos se normalizarem.

Londres; Greenwich; Terça-feira; 6:47 da tarde;

- Soph. – Melanie disse, adentrando o apartamento um tanto esbaforida.
- Que foi? – Sophia perguntou, confusa com a aparente pressa da amiga, colocando a tigela de amendoins em cima da mesinha da sala.
- Eu tive outro flashback daquela semana. E esse foi importante. – sentou-se igualmente no sofá.
- Diga.
- Em uma das lembranças você me falava que a Iv estava com raiva do Thur. – falou com calma. – Segunda-feira ela ainda estava de bem com ele. – a garota acompanhou o raciocínio. – Por favor, me diga que você se lembra o porquê deles terem brigado. Por favor... O que aconteceu depois de segunda? – fechou os olhos, contendo as lágrimas.
- Mel, eu...

Londres; Oxford Street; Terça-feira; 7:03 da noite;

- Pentéls me contou. – Rod disse, escorando-se no batente da porta da menina. Ela estava sentada na cama, olhando o laptop.
- Contou o quê?
- Que você está pegando carona com aquele... – mordeu o lábio inferior, com raiva do nome. – Com o Aguiar.
- Não acredito que você vá ficar bolado com isso, molengo.
- Tarde demais, Lu. – ele entrou no quarto, sentando-se na cama. – Aquele cara não presta, eu já te disse. Não quero que você se machuque.
- Rod, eu sou independente, não precisa se preocupar comigo. Eu sei no que estou me metendo, e se eu me machucar, bem... Aí a culpa e as conseqüências serão minhas, não suas.
- Eu sou o responsável por você. Não posso permitir que isso aconteça. – seus olhos estavam angustiados.
- Eu sou a responsável por mim mesma, molengo. – expirou devagar. – Rod, eu entendo sua preocupação por mim. Mas não precisa. Eu e ele não temos nada demais. É só uma carona.
- Lu, eu... Não quero te perder. – ele fechou os olhos. A garota passou a mão levemente no rosto do primo, dando um sorriso suave.
- Não vai, nunca.
- Baixinha, eu... – abriu os olhos, olhando-a ternamente.
- Filho! Vem ajudar no jantar! – tio John gritou do andar de baixo. Rod revirou os olhos e levantou-se.
- Eu tenho que fazer a comida. – andou em direção a porta. – Amanhã é o seu dia de fazer, okay? – ela assentiu com a cabeça. – E, Lu... – encarou-a por alguns segundos. – Cuide-se.
‘Como você estava dizendo, Lua?’ Avril, sua amiga do Brasil, disse numa conversa virtual, chamando a atenção da garota que ainda olhava a porta, pensativa.
‘Que tem esse garoto, chamado Arthur. Ele me intriga, e aparentemente, a todo mundo.’ Digitou em resposta.
‘Você parece estar bem interessada nele, hein? Mas ainda bem que você passou pra outra, estava meio com pesar de falar sobre o Nick com você...’ – Lu leu franzindo a testa. Com pesar? Sobre o Nick?
‘... Por quê?
----------------------------------------------------Capítulo 11----------------------------------------------

Londres; Greenwich; Terça-feira; 7:04 da noite;

- Mel, eu não sei. – Sophia disse angustiada. – A Iv não quis me contar.
- Mas você não se lembra de nada sobre o dia? Não tem nenhuma pista? – a garota insistiu.
- Eu lembro que... – a primeira ficou pensativa durante alguns segundos. – Eu a encontrei chorando muito no quarto...
- Você sabe quando?
- Eu cheguei tarde em casa. Estava escuro e você não estava lá. – apontou pro cômodo com as sobrancelhas. – Provavelmente devia estar com o Pentéls. Eu estava com o Mica. – falou mais baixo. – Achei que a Ivane estaria com o Thur também. Mas não. Eu a encontrei aos prantos no quarto... Ela estava vestindo o uniforme número dois, da torcida. – voltava à lembrança aos poucos.
Os uniformes da torcida eram divididos em: Um, dois e três. Eram modelos diferentes. O número dois, o qual Ivane usava no dia, era azul e preto, tão curto quanto os outros. Sophia se lembrava bem desse detalhe.
- Ela estava usando-o porque, se me lembro bem... – estreitou os olhos. – Mais cedo houve um jogo de futebol entre os Eagles e os Tigers...
- Da Drayton High School. – Melanie completou, voltando ao primeiro flashback. – Quando aconteceu o jogo? Em que dia da semana?
- Talvez terça ou quarta. – mordeu levemente o lábio inferior. – Os Eagles ganharam. Último gol do Thur.
- Como você se lembra disso e não se lembra do dia? – estava impaciente.
- Porque os Eagles foram classificados pra final, nesse jogo. – fez uma pausa. – Desculpa, Mel. Mica ficou animado com isso, por isso eu lembro. Eu não sabia que ia precisar lembrar disso algum dia.
- Tudo bem, Soph. A culpa não é sua... Você pelo menos se lembra de alguma coisa que ela tenha dito?
- Quando eu entrei no quarto ela estava ajoelhada, com a cabeça encostada na cama. Chorava alto e gritava algumas palavras sem sentido... Acho que ela gritou algo como... – Sophia juntou as sobrancelhas, repensando no que estava prestes a dizer. – “Ele me paga”. Tentei perguntá-la se ela queria alguma coisa, mas a Ivane não estava pra papo.
- Você foi dormir, depois?
- Acho que eu fui ao banheiro me trocar. Quando voltei, ela tinha saído.
- Pra onde?
- Não faço idéia. – a garota sentiu os olhos queimarem. Culpava mentalmente sua falta de atenção. Merda. – Eu tentei ligar no seu celular. Ela tinha deixado em casa. Preferi aguardar.
- E como ela chegou no dia seguinte?
- Ela chegou... – colocou o indicador no queixo. – Parecia que estava de ressaca. Com os olhos um pouco mais arregalados. Ainda estava com o uniforme da torcida.
- Vou procurar saber com o treinador Stevens o dia do jogo. – Melanie respirou fundo.

Londres; Terça-feira; 7:21 da noite;

- O que você quer? – Duan perguntou grosseiro ao homem escorado na parede de um viaduto. Ele era magro e vestia um terno preto.
O loiro saía apressado do carro, dando passos pesados até a figura ali parada. Olhava-a com desprezo.
- Um carro novo. – ele sorriu. – Me cansei do meu.
- Olha aqui, seu idiota. – o rapaz segurou-o pega gola da camisa. – Eu já paguei o que você queria. Não abuse, senão...
- Senão o que, playboy? – deu uma risada de deboche. – Esqueceu do que eu tenho em mãos?
Duan olhou-o com raiva durante alguns segundos e soltou-lhe a camisa.
- Quanto você quer?

Londres; Dockland; Terça-feira; 10:32 da noite;

Arthur caiu na cama após tomar uma chuveirada quente e demorada. Estava com a toalha de banho ainda enrolada a cintura. Esperava o corpo esfriar. Spike o olhava um pouco cansado. Tinham passeado por vários quarteirões, coisa que não faziam há muito tempo. O dono estava animado com alguma coisa, o cão podia perceber.
Thur fixou seus olhos no teto, respirando profundamente e deixando a mente rolar.
“- Tira o cinto. – disse por entre os dentes. Seus corpos estavam insuportavelmente próximos. Insuportavelmente colados.
- Você não consegue me obrigar, Arthur. – a garota deu uma gargalhada.”

Merda. Merda. Merda! Por que não conseguia obrigá-la? Uma coisa tão simples, tão banal. Facilmente teria dado esse susto em outra menina. Mas por que não nela? O que Lua tinha? O que Lua era? Por que não conseguia esquecê-la?
- Merda de garota. – virou-se pro lado, encarando seu criado mudo e dando de cara com um envelope surrado. Olhou-o por alguns instantes, estendendo sua mão para puxá-lo pra si.
Seus dedos tremeram ao abri-lo. Vacilou. Esperou até ter um pouco mais de coragem e fôlego para tentar novamente puxar seu conteúdo pra fora.
Observou o que o envelope guardava com o olhar mais arregalado, sentando-se na cama. Seus olhos ficaram quentes e seu coração bombeou acelerado, apesar de fraco. Sentia um embrulho forte no estômago ao olhar aquilo. Uma dor imensurável.
Começou a chorar compulsivamente, sendo interrompido por uma forte pressão na altura do diafragma e correndo pro banheiro, vomitando no vaso sanitário.
- Preferia estar morto! – gritou com a voz embargada pelos sentimentos. O cachorro o observava com pena, da porta. Thur olhou o livro vermelho na pia, dando uma risada baixa e triste. – “Acompanharei a ti em teu sono de morte”. – limpou a boca com as costas das mãos. Levantou a coluna que havia curvado em direção ao vaso e andou acelerado pra cozinha, onde abriu uma gaveta violentamente. Seus olhos se iluminaram com a lâmina afiada de uma faca. – “Serei a tua bainha”. – citou passagens de Romeu e Julieta, segurando o objeto de frente pro peito.
“- Você não é mal, Thur.”
“- Me mostre do que é capaz, Aguiar, e talvez, bem talvez, eu tenha medo de você.- ela gargalhou satisfeita. Mantinha um sorriso no rosto. O sorriso mais aconchegante que ele tinha visto até hoje. Nem Ivane fora capaz de reconfortá-lo tanto ao sorrir... Nem Ivane..."
Sentiu os dedos tremerem desvairadamente, permitindo que a faca escorregasse e caísse no chão.
- MERDA. – gritou. – O QUE É ESSA MENINA? – colocou as mãos nos cabelos. As lágrimas ainda rolavam quentes por sua bochecha. – Por que ela me perturba tanto? – seus olhos se encheram novamente com a lâmina, esticando a mão para voltar a segurá-la. – Eu não posso morrer agora Iv. Não agora. – sua voz estava inconstante. Talvez se estivesse acompanhado no apartamento, apenas ele mesmo entenderia o que murmurava. – Eu te fiz uma promessa. Não posso ir ao seu encontro sem cumpri-la...

Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 5:57 da manhã;

“Jogava uma bola vermelha pra pequena garota de cabelos loiros e enrolados. Ela sorria largamente. O dia estava ensolarado. Nada poderia dar errado...
Ela mandou a bola de volta dando uma risada melodiosa. Lu segurou-a.
- Pega a bola, hein? – dirigiu-se a menina, que concordou com a cabeça. – Lá vai! – mandou-a um pouco mais forte, pra que ela não pegasse. A brincadeira ficava sem graça se ninguém deixasse o objeto cair. Teriam que ser mais competitivas.
A bola voou longe, fazendo a menininha olhá-la e em seguida gritar pra Lua, com uma expressão doce:
- Tudo bem, maninha. Eu vou pegar!
De repente, o sonho ficou escuro...”

- LILY! – gritou abrindo os olhos e sentando-se imediatamente na cama. Estava ofegante e suava frio.
A garota estava com o nariz entupido. Tinha chorado durante o sono.
'Foi um sonho...’ Pensou aliviada.
- Lu! – Rod adentrou o quarto apavorado, tropicando antes de se sentar na frente da prima e segurar-lhe os ombros. – O que foi? – o garoto usava uma calça de pijama preta com a blusa azul. Seus cabelos estavam bagunçados.
- Eu tive aquele sonho de novo. A Lily, ela... – falava depressa, sendo interrompida por um soluço.
- Shhh, calma. – abraçou a prima apertado, segurando sua cabeça cuidadosamente, porém firme, contra seu ombro. Podia sentir o choro dela molhar sua blusa.
Ele fechou os olhos durante um momento. Respirou fundo enquanto seu coração amolecia. Droga. Por que as coisas tinham que ser daquela forma? Por que Lu tinha que ter passado por isso? Por que ela não emendava de uma vez e se afastava de Thur? Não tinha medo de sofrer novamente?
A garota murmurava seu nome baixinho, entre soluços e gemidos. Rod sentia-se mais impotente a cada vez que ela fazia isso.
- Calma, minha baixinha. – sussurrou, afagando seus cabelos. – Eu estou aqui.
Lu apertou as mãos na blusa do rapaz, com o coração ainda acelerado pelo sonho. Talvez aquelas lembranças ruins tivessem sido estimuladas pelos acontecimentos da noite anterior. Pela sua conversa com Avril.
De uma hora pra outra as lágrimas que surgiam não estavam mais relacionadas à pequena menina. Seu choro tomou uma altura mais elevada.

Londres; Greenwich; Quarta-feira; 7:20 da manhã;

- Soph! – ouviu Mel chamá-la. Estava dentro do banheiro, olhando trêmula para seu reflexo no espelho. Seus olhos estavam circulados de vermelho e o chão lhe parecia escapar.
Amaldiçoava-se pelo dia que tinha tido a idéia de deixar sua casa, tão bem localizada ao sul do país, pra estudar na Highgate. Mas seus pais tinham aprovado a idéia, afinal, era a capital, e tinham toda condição financeira pra arcar com os gastos. Droga. Agora estava nessa.
- Pentéls já chegou. – a amiga gritou novamente, mas sua voz parecia mais próxima. Melanie colocou a cabeça pra dentro do banheiro, observando a garota apertar os olhos com força, escorada sobre a pia.
- Pode ir, Mel. Depois pego um táxi. Estou passando mal. – respirou profundamente.
Melanie olhou-a preocupada, durante alguns instantes. Depois entendendo que a menina precisava de um tempo sozinha e assentindo.
- Melhoras, hein?

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 7:50 da manhã;

- Desculpe se chegamos mais tarde, molengo. – Lu disse ainda assentada no banco do carona, enrolando nervosamente uma mecha de cabelo com a ponta do dedo.
Teve que passar de leve um lápis preto em torno dos olhos, pra esconder o inchaço causado pelo choro compulsivo.
Rod estava em uma posição mais rígida do que de costume, tirando seu cinto de segurança. Seu cenho franzido indicava preocupação.
- Baixinha... - começou a falar, mas se interrompeu durante alguns segundos. – Tem certeza que é só a história do sonho que está te incomodando?
Ela engoliu a seco, mordendo o lábio inferior.
- Não quer falar sobre isso?
- Desculpe, Rod, mas eu... – sentiu os olhos queimarem com as lágrimas que estavam se formando novamente.
- Não se force. – abraçou-a de lado. – Vamos. O sinal vai tocar.

Clic. Clic. Clic.
O barulho da máquina fotográfica fez o garoto da pele um tanto amarela e aparência doente dar um largo sorriso. Fotografava um casal que saía de um carro prateado. Mais especificamente, a menina que saia do veículo: Cabelos longos, um belo sorriso e ondas perfeitas nas quais adoraria se afogar. Ela não tinha ido embora. Ele sabia.

- Molengo, pode ir na frente, preciso conferir onde está minha agenda. – parou apoiando a mochila na cintura e abrindo-a.
- Esqueceu os horários? – o primo perguntou um pouco mais leve.
- Esqueci.
- Já sabe o caminho, certo? – arqueou uma sobrancelha.
- Claro. Não se preocupe. – sorriu amarela. O rapaz se curvou pra beijá-la carinhosamente na testa. Seguiu pela calçada no pátio do colégio, rodeada por grama, até as escadas da entrada principal.
Lu abriu a mochila desajeitadamente, de forma que o pequeno caderno – a agenda – caísse no chão. Soltou um longo suspiro enquanto abaixava-se pra pegá-la. Quando começou a voltar a coluna pro lugar, passou os olhos rápida e significativamente a sua volta, fixando-se em um local. Estreitou os olhos pra poder enxergar melhor. Uma pessoa estava encolhida atrás da escada. Uma pessoa... Que ela conhecia...

Sophia abraçava forte o joelho, enquanto tentava fazer a respiração “cachorrinho”. Seu rosto estava completamente vermelho, seu corpo mole e as lágrimas descontroladas.
Espremia-se contra a parede, tentando ao máximo não ser vista por ninguém. Provavelmente não seria. Nenhum dos alunos costumava chegar tarde na Highgate... Nenhum que se lembrasse.
‘Merda! Por que isso, agora? O que eu fiz pra merecer?’ Perguntava-se mentalmente, sentindo falta de ar pela rapidez a qual respirava. Apertou as mãos contra os olhos, desejando mais do que tudo que desaparecesse dali.
- Está tudo bem? – ouviu uma voz serena perguntar. Sophia engasgou com o susto e o choro, virando seu olhar arregalado para uma garota a sua frente.
Cerrou os lábios numa linha, com uma mistura de vergonha e desaprovação. – Você é a amiga da Mel, certo? – a menina sentou-se tranquilamente ao seu lado.
Os olhos de Sophia ainda estavam alagados pelo choro, seu corpo inteiro tremia.
- P-por favor. – disse fechando os olhos e respirando fundo. – Não conte a ninguém que me viu aqui.
- Já não estava pretendendo fazer isso mesmo. – Lu deu de ombros, ajeitando as costas no concreto cinza da escada. – Só achei que talvez você quisesse um ombro pra chorar.
Soph olhou-a durante alguns segundos, sendo consumida pelos sentimentos e enterrando seu rosto no ombro de Lua. Começou a chorar alto. Nada a impediria de expelir aquela dor que sentia no peito.
- Shhh... – a menina abraçou-a pelo lado, reconfortando-a. – Vai dar tudo certo.
- Não, não vai. – devolveu um pouco esganiçada, gemendo com a tristeza.
- Como pode saber?
- Como você pode saber? – tirou o rosto de cima do ombro da garota. – Você nem me conhece.
- Mas eu conheço alguém que a ama muito. – Lua ainda não havia perdido seu tom tranqüilo. Apesar de também estar entupida de problemas e sofrimentos, compreendia que o desespero maior agora era da menina sentada ao seu lado. – E não há como tudo ser ruim quando temos alguém que nos ama. O mundo fica... Melhor...
- Desculpe-me, moça. – Sophia riu irônica. – Mas ainda não encontrei esse alguém. Provavelmente nunca mais vou encontrar. – cuspiu as palavras, com raiva.
- Óbvio que vai. Nem está tão difícil de achá-lo quanto você pensa. – Lua olhou através da garota, pra um rapaz que chegava atrasado, desajeitado. Seu cabelo estava bagunçado, a gravata frouxa e corria desengonçadamente. Seu rosto pálido e assustado a reconfortava. Apesar do pouco tempo que estava na escola, já podia considerá-lo um amigo. Como o menino realmente era.
Apontou-o pra Sophia com o queixo. Ela virou seu rosto devagar, para ver a quem se referia.
Mica.
- Está louca. – deu outra risada um tanto histérica, enquanto o rapaz entrava na escola sem as perceber ali. – Ele seria a última pessoa do mundo que me amaria.
- Não é o que parece. – sorriu levemente. – E eu sei que não é assim.
- Você não sabe de nada sobre mim. – Sophia respondeu grosseira. Depois engoliu a fala, arrependendo-se de como tinha saído seu tom. – Me desculpe. Mas você nem sabe meu nome.
- E qual é? – ainda espelhava paz.
- Sophia. – disse sem graça. – E o seu é Lua. – completou.
- Não sabia que era famosa assim. – Lu disse numa tentativa de bom humor, mas ela sabia muito bem que seu estado de espírito era incapaz de acompanhar sua tentativa.
- Melanie fala muito de você. – observou a paisagem a sua frente, passando os olhos devagar pelas quadras e pelo ginásio poliesportivo.
- Ela sabe o motivo do seu choro?
- Ninguém sabe. – Sophia apoiou-se nos calcanhares, impulsionando-os e ficando de pé rapidamente.
Com a rapidez de seus movimentos, seu estômago embrulhou e sua vista escureceu-se, fazendo-a perder o equilíbrio. Prendeu a respiração já prevendo que se chocaria fortemente contra o chão, mas antes que isso acontecesse, sentiu dois braços firmes mantendo-a de pé.
- Eu sei que você está chateada, mas vamos com calma, ok? – Lu disse com o cenho franzido de preocupação, segurando a garota pelo braço.
Sophia olhou-a agradecida e suplicante ao mesmo tempo. Seus olhos ainda estavam lustrosos e as pernas moles. Seu estômago embrulhou ainda mais ao ver a expressão do rosto de Lua. Tão pura, tão lisa, tão... Familiar. Sentiu o diafragma se contrair.
- Meu Deus. – Lu disse falha, ao ver a garota se curvar pra frente. – Vamos procurar um banheiro. Urgente.
Apoiou-a com o braço, andando apressadamente até o banheiro do ginásio. A senhora Campbell as deteria se tentassem entrar pela porta da frente, e ao invés de ir ao banheiro, teriam que responder ao atraso na diretoria.
Os passos de Soph e Lu estavam sincronizados enquanto pisavam na grama. Uma das garotas estava com a expressão séria e um tanto aflita. A outra empalidecida e assustada.

Rod e Pentéls levantaram-se de suas carteiras quando foi dada a permissão do professor. Naquele dia teriam uma palestra qualquer na sala de vídeo.
Já esperavam que fossem duas horas desperdiçadas com um assunto maçante que viam desde o primário. Algo como: “Aquecimento Global” ou um Power Point mal feito com o título “Não Use Drogas”. Será que os professores nunca se dariam conta que eles lecionavam na Highgate? Será que nunca se dariam conta de que palestras azucrinantes repetindo sempre as mesmas coisas: ‘Não fume’, ‘Não use sacolas de plástico’, ‘Não use drogas’ e ‘Não se envolvam com marginais’, simplesmente nunca seriam realmente eficazes com os alunos daquela escola?
- Estou pensando em roubar a Mel esse final de semana. – Pentéls disse abrindo um sorriso discreto, enquanto seguiam a massa de alunos pelo corredor. Senhor Walker estava logo atrás deles.
- E deixar a Soph sozinha no apartamento? – Rod e Chay sentiram alguém os abraçar por trás. Pela grossura nem tão fina dos braços e o cheiro de desodorante que se espalhou pelo ambiente, concluíram de quem se tratava. – Show.
- De onde você surgiu, peste? – Pentéls resmungou, empurrando o braço do amigo.
- Se quiser eu explico. – Mica limpou a garganta. – Um belo dia papai e mamãe não tinham nada de bom pra ver na televisão. Então resolveram fazer algo que não vai ser muito diferente do que você aprontará com a Mel esse final de semana...
- Era pra ser uma piada? – Rod estreitou os olhos.
- Não teve graça? – os dois rapazes rolaram os olhos. – Ok, eu digo de onde surgi: A palestra hoje é pra turma C e D.
- Aumentaram a zona de tortura, é? – Rod disse rabugento, depois olhando para os dois amigos um pouco avoados. – Droga, gente. – protestou. – Detesto quando vocês arrumam algo realmente interessante pra fazer no final de semana. Eu fico me sentindo meio...
- Encalhado? – Mica sugeriu.
- Em palavras grosseiras – ressaltou. –, sim.
- Você tem a Lua vinte e quatro horas por dia dentro de casa. – Chay comentou. – Não sei do que está reclamando.
- É, dude. – Mica balançou a cabeça afirmativamente. – Aproveita pra já dar aquele ‘approach’.
- Deixem de ser ridículos. – impacientou-se. – A Lu pode ser o quão gata e gostosa Deus quiser, mas ela é minha prima mais nova.
- Eu já peguei minha prima. – Micael deu um sorriso pervertido.
- O que não significa que eu vá pegar a minha. Além do mais... A Lu tem namorado, e eu não pareço ser o tipo dela. – suspirou, colocando as duas mãos nos bolsos.
- Então quem é? – Pentéls perguntou.
A porta de uma das salas mais a frente abriu-se devagar, e logo um garoto com a silhueta conhecida saiu por ela. Seus ombros largos e olhos opacos faziam alguma parte do cérebro de Rod entrar em estado de alerta. Ele não prestava.
Thur olhou os três rapazes que andavam pelo corredor de relance. Estava como sempre: Mangas arregaçadas, gravata frouxa, cabelo bagunçado. Soltou um suspiro pesado ao sentir a expressão de cada um dos garotos sobre si: Rod desconfiado e com a feição um tanto colérica, Mica sorrindo largamente, como se o cumprimentasse, e Chay inexpressivo, nem contra, nem a favor de sua presença.
- Ele. – Rodrigo rosnou quase imperceptivelmente, pouco depois de já terem passado por Arthur.
- Não vejo muito problema com isso. – Micael deu de ombros. – Ele é o meu ídolo.
- Só porque ele te salvou de um assaltante não quer dizer que ele seja uma boa pessoa, Mica.
- Ele ofereceu o Audi dele por mim. – o menino disse ainda maravilhado. – Tem idéia de quanto custa AQUELE Audi?
- Grande parte dos alunos dessa escola tem carros com o mesmo preço. – Pentéls intrometeu-se.
- Mas quantos o ofereceram por mim? Hein? Hein? Hein? – Mica levantou o dedo indicador. – Além do mais, ele já não salvou a vida da Lu uma vez? Você deveria estar agradecido, Rod.
- Eu simplesmente não consigo me acostumar com a idéia de que ele seja o mocinho. – mordeu nervosamente o lábio inferior.
- Dizem que o lobo-mal também se esconde em pele de cordeiro. – Pentéls deu um sorriso divertido com sua comparação.
- E está pronto pra atacar a ovelhinha.
Adentraram a sala de vídeo passando os olhos rapidamente pelo local e observando o título do Power Point projetado na parede.
“Sexo Consciente”. Já deviam imaginar...

- Por favor. – Sophia dizia em um tom desesperado, dentro de uma das divisórias do banheiro. Lua estava atrás da garota, segurando seus cabelos e com o olhar pesado. – Por favor não conte isso pra ninguém. – ainda chorava, com o rosto em cima do vaso sanitário e um dos braços escorado na parede de ladrilhos. – Minha vida vai acabar.
- Pare de se dizer isso o tempo todo. Sua vida não vai acabar. – expirou rapidamente, um pouco irritada. – Você fala como se isso fosse algo ruim.
- É algo péssimo. Imagine se fosse com você!
- Claro que eu ia ficar assustada a princípio... – olhou o nada, cogitando a hipótese. – Mas depois ia acabar aceitando e gostando da idéia.
- Minha vida acabou. – Soph deu um gemido alto. – Obrigada por estar aqui, Lu. De verdade. Não sei o que seria de mim sem você.
Lua comprimiu os lábios durante alguns segundos, permitindo que sua mente viajasse até determinada pessoa.
Mica.
Imagine se ele soubesse...

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 4:42 da tarde;

A aula de educação física estava sendo um desgaste. Talvez isso se devesse ao fato de que Lua não conseguia tirar da cabeça do ocorrido com Sophia – que no momento, já estava em casa.
Tinham ficado no banheiro feminino até metade do segundo horário, quando por fim, a senhora Campbell as encontrou.
A diretora deu permissão pra que Sophia voltasse pra casa, e quanto a Lu... Bem, ela teve que voltar às aulas, por menos que conseguisse prestar atenção. Fosse pelo problema de Sophia, ou por seu próprio problema...
Enquanto as meninas davam mais duas voltas correndo na quadra, Lu dirigiu-se até a treinadora, pedindo sua permissão pra ir tomar água. Não que estivesse com muita sede. Não estava. Queria respirar ar fresco, colocar as idéias no lugar. Pensar sobre Sophia e, talvez com mais urgência, em Nick...
Ajeitou o pequeno short preto enquanto caminhava até atrás do ginásio. Seu coração estava apertado e um turbilhão de pensamentos infestava sua cabeça como um enxame de vespas. Pensamentos ruins. Contornou a parte de trás do ginásio que, agradeceu a Deus por estar vazia. Deserta.
Caminhou até o bebedouro, escorando suas costas na superfície áspera da parede ao seu lado e permitindo que seu corpo escorregasse devagar. Lu encaixou a cabeça entre os joelhos, e deixou que as lágrimas rolassem.
Nick estava namorando. Namorando alguém que não era ela. E ainda uma das meninas que era sua amiga no Brasil. O pior nisso? Já fazia algum tempo. Ele não havia nem esperado que ela se acomodasse na Inglaterra. Droga.
Lua afogava-se nas imaginações dele com outra garota. Abraçando outra garota. Beijando-a. Suas lágrimas ainda rolavam e alguns gemidos abafados começavam a sair por sua boca. Por que teve que se apaixonar por aquele idiota?
Continuou assim por um tempo, até ouvir um assobio que, a princípio estava distante, mas começava a se aproximar. De uma hora pra outra, o som estava próximo demais pra que ela pudesse se recompor a tempo da pessoa não vê-la.

Thur admirou a garota que abraçava os joelhos. Seus cabelos estavam jogados de qualquer forma pelos ombros, enquanto seu rosto escondia-se entre as pernas. Seus ombros balançavam pra cima e pra baixo como se ela estivesse... Espera. Ela estava chorando?
O coração de Arthur bateu pequeno ao ver a cena.
- Oi. –disse sem encará-la, tornando sua visão para o bebedouro.
Lu virou seu olhar pra ele com os olhos e o nariz vermelhos.
- Ah, ótimo. – disse irônica. – O que você quer agora? Assaltar minha gominha de cabelo? - Não seria uma má idéia. – ele devolveu a risada. – Vejo que está de mal humor. – aproximou a boca da água que saia da máquina. - Desculpe. Não consegui me igualar ao mestre. – a garota rolou os olhos impacientemente. Arthur deu uma risada com gosto, olhando pra ela e seguindo em sua direção. Lua sentiu-se desconfortável ao vê-lo sentar ao seu lado.
Ficaram um momento em silêncio. Thur encarava o vazio. Lu tentava normalizar sua respiração.
- Há algumas pessoas... – o rapaz quebrou o quieto momento. – Que combinam com a solidão. – Lua reergueu a coluna, começando a olhar pra frente e a prestar atenção nas palavras de Thur. Sua voz estava terna e constante. - Esse é o meu caso. Há pessoas que combinam com a tristeza. Com a saudade... E olha! – fingiu surpresa. – É o meu caso também... Há pessoas que combinam com as lágrimas. E esse, definitivamente, não é o seu caso. Lu deu uma risada baixa e sem humor.
- Esse foi seu jeito de pedir pra eu não chorar? – Arthur esboçou um sorriso ao ouvi-la dizer essas palavras.
- Funcionou.
- Eu vou voltar a chorar assim que você sair daqui, Aguiar. Não se dê ao trabalho.
- E quem disse que eu vou sair daqui? – fez sua cara desafiadora.
- Por que não sairia? – a garota arqueou uma sobrancelha, virando seu olhar pra ele durante um momento.
Arthur ficou alguns segundos em silêncio, ponderando algum pensamento e fazendo com que seu aspecto ficasse sério novamente. Delineou um sorriso frouxo e respondeu:
- Porque você voltaria a chorar.
Lua fechou os lábios lentamente, ao mesmo tempo em que respirava fundo. Seu coração bombeou como se estivesse sendo acariciado, lhe trazendo uma sensação boa. O rapaz permanecia imóvel ao seu lado.
Olhou-o pelo canto do olho. Arthur nunca havia lhe parecido tão próximo e tão distante ao mesmo tempo. Tão inalcançável.
- O amor às vezes trai a gente. – comentou.
- Por que diz isso? – Thur contemplou a posição da garota: abraçando os joelhos e com o rosto um pouco assustado.
- Lembra que... Uma vez eu disse que estava apaixonada por um rapaz do Brasil? – ele assentiu inexpressivo. – Ele era meu namorado. Nick. Já estávamos juntos há mais de um ano... E eu... Bem, eu realmente gostava dele. – seus olhos encheram-se d’água. – Ele não concordou quando eu disse que viria pra Inglaterra. Mas eu prometi que não iria esquecê-lo enquanto estivesse no exterior... Pensei que a promessa valeria pra nós dois... – uma lágrima fugiu de seu olhou direito.
- E ele te decepcionou. – concluiu.
- E ele me decepcionou. – sorriu fracamente, concordando. – Ele está namorando uma garota que era minha amiga no Brasil. E já faz algum tempo.
A mente de Lu fazia projeções do rosto do ex-namorado em sua mente. Do rosto fino e elegante de Nick. De suas feições que tinham ficado impregnadas em seu cérebro.
– Ele nem esperou que eu me acomodasse aqui. – soluçou, parando de tentar lutar contra as lágrimas, que já vinham em série.
A menina colocou-se de pé apressadamente, apertando as mãos contra os olhos.
Lua não queria que Arthur a visse desabar. Seria a ruína de sua pose de ‘corajosa’. De ‘desprendida’.
Seus joelhos fraquejaram na mesma hora que teve a idéia de correr. Mas esse pequeno problema não a impediria de sair dali. Não mesmo. Aguiar não a veria chorar. Não podia ver. Impulsionou o corpo com força pra frente, esperando que se impulso fosse o suficiente pra que ela saísse do lugar. Seus olhos ainda estavam espremidos. Ela os abriria assim que sua corrida fosse consumada.
Assim que seu pé encostou-se ao chão e estava pronta pra tomar velocidade, seu corpo foi impedido por uma força maior, puxando-a pelo braço no sentido contrário.
Os milésimos de segundo que se passaram foram um tanto confusos pra ela. Estava prestes a começar a correr quando sentiu algo agarrar-lhe o braço. Os momentos depois disso foram vagos: viu a paisagem girar ao seu redor enquanto retrocedia rapidamente, sendo puxada. Tudo pareceu apenas um borrão, até que seu olhar se fixou numa superfície branca que estava cada vez mais próxima. Mais próxima e mais próxima, até que seu rosto se enterrasse sobre ela. Era macia.
Quando deu por si, dois braços fortes se fechavam a sua volta. Quentes e protetores. Acolhendo-a como se quisessem escondê-la de algum perigo, ou apenas acamá-la. Arthur Aguiar a havia puxado para um abraço.
Um abraço.
- Finalmente em meus braços. – Thur sussurrou, fazendo-a arrepiar. Puxou Lua ainda mais pra si, mas receando que pudesse sufocá-la.
Seu receio esvairou-se quando sentiu as duas mãos da garota espalmarem-se em suas costas, retribuindo o abraço repentino.
- Obrigada. – a voz de Lu saiu abafada pela camisa branca do rapaz.
Ele não respondeu nada, apenas saboreando as batidas arrítmicas de seu coração.
Kimberly tinha matado a aula de educação física pra molhar a garganta com cerveja, em um bar perto da escola. Caminhava despreocupada pela calçada do colégio, quando algo lhe chamou a atenção. Um casal.
Esfregou os olhos uma vez, pensando ver uma miragem. Quando percebeu que se tratava da realidade, esboçou um sorriso maldoso:
- Dejavú?



----------------------------------------------------Capítulo 12 --------------------------------------------------------------  

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 5:02 da tarde;

A loira saia ofegante da educação física. Amaldiçoava a inspetora mentalmente por não ter permitido que cabulasse aula – que era uma coisa que sempre dava certo.
Não bastasse o fato de ter corrido em volta da quadra várias vezes, seu pulmão ainda era débil, em função do cigarro.
Brittany saia do ginásio ao som de alguns assobios maliciosos dos rapazes da quadra de futebol. Também, ela sabia que já era de se esperar: seus cabelos dourados, encaracolados nas pontas, sempre eram brilhantes; tinha as coxas, os seios e os glúteos fartos, que agora estavam quase à mostra graças ao mini-short.
Passou seus olhos pelos meninos que a cortejavam, desejando ver um em especial. O único que realmente atraía sua atenção.
Ele não estava lá...
- Brit! – ouviu a voz estridente da amiga, que corria afobada em sua direção, amassando a grama com os tênis pretos. – Brit!
A garota parou a centímetros da loira. Seu olhar estava como se tivesse acabado de aprontar algo maldoso... Ou visto algo maldoso.
- O que é, Kim? – colocou as mãos na cintura com a impaciência.
- Você. Não vai. Acreditar. – seus olhos faiscaram enquanto ofegava.
Brittany teve uma sensação ruim sobre a notícia da amiga, mas fez sinal pra que ela prosseguisse.
- O Thur. – inspirou. – E a novata idêntica a Iv. – soltou o ar. – Estão de casinho.
Uma bomba pareceu estourar no estômago de Brittany, expelindo veneno para todos os lados. Seus olhos se estreitaram, enquanto alguns pensamentos passavam por sua cabeça.
- O que exatamente você viu? – perguntou à amiga.
- Eles pareciam se abraçar com digamos... Muita vontade, atrás do ginásio.
A loira deixou um sorriso sinistro escapar. Kimberly arrepiou-se com a expressão da menina.
- Não vou permitir que isso continue.

Londres; Audi A8; Quarta-feira; 5:07 da tarde;

- Desculpa. – Lu disse, sentada no banco de couro do carona.
Estavam seguindo em direção a sua casa, como faziam todos os dias depois da educação física.
Arthur olhava pra frente, com as bochechas um pouco mais rosadas. Sentia-se quente por dentro. ‘Aquecido como...’ Ele mesmo pensava em uma comparação. Pensou em um pequeno pássaro sob as asas da mãe. Talvez não fosse a analogia mais adequada, mas passava a mesma sensação de calor.
- Eu sujei sua blusa. – a menina olhou para um pequeno borrão preto na camisa branca do rapaz. Era uma boa idéia começar a comprar lápis de olho à prova d’água...
- Não precisa se desculpar, Lu. – a dureza de sua voz parecia ter amolecido depois do abraço. – Eu não me importo em lavar.
- Mas eu me importo que você lave. – disse definitiva. – Você a sujou pra me consolar, então a responsabilidade é minha.
- Eu não fui obrigado a fazer isso. – seu semblante era sério. – Fiz porque quis.
A garota expirou lentamente, virando seu olhar pra ele. Foi descendo seu foco do rosto extremamente bonito do rapaz pra seu pescoço um pouco grosso; depois para seus ombros largos, peito, até chegar à barriga. Imaginou Thur sem camisa, e, apesar de seu rosto esquentar, não se sentiu envergonhada: sentiu-se tentada, mordendo levemente o lábio inferior.
Arthur tirou seu olhar da direção para admirá-la por alguns segundos. Lu olhava para a região de sua barriga ou peitoral, com uma expressão provocante. O garoto riu baixo, ao perceber que ela não fazia de propósito.
- Que foi? – Lua perguntou, levando as mãos ao rosto. Tinha sido flagrada. Merda.
- Nada. – ainda divertia-se.
Ela bufou, cruzando os braços e tentando ao máximo enterrar seu tronco no assento. Sua face estava completamente ruborizada.
- Gosto da cor da sua bochecha quando você fica envergonhada. – ele comentou, dando uma risada com gosto.
- Vai à merda, Aguiar. – protestou. – Eu não estou envergonhada.
- Ok, então. Quer mudar de assunto antes que cheguemos à parte boa?
- Que parte boa?
- O porquê do seu constrangimento. – sorriu malicioso.
- Cala a boca. – ela rolou os olhos. - Vamos mudar de assunto.
- Diga.
- Vai à festa do Bennet?
Thur voltou a ficar sério.
- Detesto as festas daquele troglodita.
- Por quê?
- Muito sexo. Bebidas. Drogas. Tudo em excesso.
- Eu vou. – Lu disse simplesmente. Arthur apertou as mãos contra o volante. – Queria ir a pelo menos uma festa aqui na Inglaterra. Deve ser... Interessante.
- Seu primo vai com você? – a dureza reapareceu em seu tom de voz.
- Acho que não. O molengo não é muito de ir a festinhas assim...
- Você vai sozinha?
- Algum problema com isso, Arthur? – virou-se pro garoto.
- Claro que não. – ele sorriu sombriamente. – Se você é do tipo que gosta de ser estuprada, vá em frente. Lu gargalhou.
- Sabe... Chegou até a parecer que você estava preocupado comigo.
- Claro que não. – disse seco.
- Ótimo. Mas caso você estivesse... Eu te diria que eu vou com o Duan.
- Com o Duan? - ele parecia incrédulo.
- É. Ele é uma boa pessoa. – ela ficou um tempo em silêncio. Suas bochechas tomaram um leve tom mais rosado, então prosseguiu: - E se você fosse... Bem... Seria legal.
- Isso é um convite? – Arthur arqueou uma sobrancelha.
- Teria dado certo?
O garoto sorriu e então respondeu:
- Não. Continuo sem gostar dessas festas.
Depois do sinal, a velocidade do carro ia diminuindo aos poucos ao virarem a esquina. Seguiram desacelerando gradativamente, até o veículo, por fim, parar num largo quarteirão: O da casa branca, de estatura mediana.
Thur parou o Audi a alguma distância da casa.
Lu tirou o cinto dando um longo suspiro e abrindo a porta, já se impulsionando pra fora e ficando em pé, na calçada.
Ia acenar em agradecimento, quando viu Arthur tirar o próprio cinto e abrir a porta, saindo e contornando o carro, em sua direção. A garota ficou sem reação por um momento, apenas observando-o se aproximar. O rapaz parou a centímetros de distância, com a respiração desuniforme e o olhar direcionado para seus lábios.
- O que foi? – Lu perguntou baixo, também olhando pra boca estranhamente convidativa do rapaz.
- Você... – a voz dele falhou. ‘Porra, Thur! O que mesmo você está fazendo aqui?’ Pensou. – Você...
- Eu?
Arthur pigarreou, dando um passo pra trás antes de cruzar os braços sob a barriga e puxar a barra de sua blusa pra cima, deixando à mostra, primeiro seu abdômen, depois seu peitoral, até por fim, se livrar dela.
Lu observou-o tirar a camisa estática e ao mesmo tempo, atraída. Seu estômago parecia estar em pleno inverno nova iorquino, que se intensificava à medida que ele puxava a blusa pra cima.
O abdômen e peitoral do rapaz pareciam ter sido esculpidos, e não eram, nem de longe, decepcionantes. Lu encarava-o com as bochechas visivelmente coradas.
- Você disse que ia lavar minha blusa. – Thur disse por fim, acordando-a de seu transe.
- Ah...! – segurou o pano que estava na mão dele, completamente sem graça.
Arthur observou a garota olhar pra baixo, que parecia preferir encarar tudo desde que não fossem seus olhos. Sorriu levemente ao ver a inocência que ela emanava. Espalmou a mão direita suavemente atrás da nuca de Lu, puxando seu rosto pra perto e dando-lhe um rápido beijo na testa.
- Até amanhã. – sussurrou.

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 5:11;

- ‘Estou na boate com uma garrafa de champanhe. Tenho o que você quer pra ficar ligada.’ – Duan cantava uma das inúmeras músicas do 50 Cent de seu iPod, enquanto aproximava-se do seu Toyota azul-marinho.
Seus cabelos dourados ainda estavam suados, fazendo com que a onda que eles normalmente formavam na frente ficasse desconfigurada.
Já tinha apertado o botão pra abrir o carro, quando viu, pelo reflexo do vidro, uma garota correr na sua direção.
- ‘Venha me abraçar se quiser...’ – cantou virando-se pra ela, mas assim que viu seu olhar enfurecido, calou-se. – Que foi, gata?
Brittany inspirou profundamente antes de falar qualquer coisa.
- Qual o problema? – ele insistiu, desconfiado.
- É aquela novata. – falou com o maxilar tenso.
- Novata...?
- A vagabundinha parecida com a Iv.
- Wow, wow, wow. Calma lá. – o rapaz levantou ambas as mãos. – Primeiro que você nem a conhece e segundo: o que tem a Lu?
- “Lu.” – disse em zombaria. – Acho que... Acho não! Tenho certeza que ela gosta do meu Thur.
- QUÊ?
Duan fez uma expressão de espanto, que rapidamente foi substituída por uma séria e meditativa. Enrijeceu sua feição, encontrando os olhos tensos de Brittany.
- Essa suposição tem algum... Fundamento?
- Eles estavam se abraçando... – a loira disse devagar. – Atrás do ginásio. Quer fundamento melhor?
O garoto começou a gargalhar, fazendo com que ela ficasse ainda mais nervosa.
- Já faz um tempo que o Thur não abraça ninguém. Você quer que eu acredite que ele foi fazer isso logo com a novata?
- Pague pra ver. – ela sorriu desafiadoramente, fazendo-o perder o humor.
- Brit, ele não ia querer tomar a garota de mim. Ele é meu irmão. – falou convicto.
- Então a reconquiste. Você resolve o seu problema e o meu ao mesmo tempo. – ela ficou um instante em silêncio, depois retomou sua fala, um pouco mais descontraída: – Eu já sabia que você devia estar interessado por essa garota. Ela é tão, tão... Seu tipo. – fez careta de nojo, colocando a língua pra fora.
O rapaz deu uma risada cheia, por fim, entrando no carro. Abaixou a janela até que seus olhos novamente se encontrassem com o olhar felino de Brittany.
- Pode deixar comigo, linda. – sorriu maroto. – A Lu é minha.
Deu a partida deixando uma menina satisfeita pra trás.

Londres; Greenwich; Quarta-feira; 5:15;

- Hein, Mel. – Pentéls dizia abraçando a cintura da namorada por trás e mordendo de leve seu pescoço. Estavam na sala do apartamento da garota. – Vamos pra praia. Minha família tem uma casa lá, onde podemos ficar sossegados. – trilhou beijos por sua nuca até chegar à bochecha.
- Não sei se posso deixar a Evelin sozinha com o trabalho de geometria... – Melanie franziu o nariz.
- Esquece o trabalho de geometria, vai. Só por esse final de semana. – sussurrou. – Prometo que te faço esquecer.
Melanie se arrepiou, virando-se de frente pro namorado enquanto ria.
- Ok, então. Só com a condição de você me fazer esquecer.
- Pode deixar. Sou bom nisso. – Pentéls envolveu novamente a cintura da namorada, dando-lhe um selinho demorado.
- Pentéls... – Mel disse contra seus lábios. – Em falar nisso... Eu tenho um plano pra recobrar a memória.
- Em falar nisso o que? – pareceu confuso, abrindo os olhos.
- Em esquecer...
- Ah! – juntou as sobrancelhas. – De novo essa história, Mel? Você não acha que isso te faz mal?
- Fazer mal é ter a semana mais importante da sua vida esquecida!
- Ok, amor. Não precisa ficar nervosinha. – puxou-a pra perto novamente. – Qual sua idéia?
- Posso contar com você nessa? – perguntou desconfiada.
- Pode contar comigo em todas.
- Eu preciso ir com a Lu nos lugares onde a Iv provavelmente esteve durante a semana. – estava séria. – Isso inclui: bares, ensaio das líderes de torcida, o quarto, a Drayton High School e... A mansão.
- A mansão, Mel? – Pentéls pareceu espantado. – Tem certeza? Aquele lugar não te faz bem. Aliás... Não faz bem a ninguém!
- Tenho certeza, Pentéls. – falou com veemência. - E você vai nos levar a esses lugares.
- EU?
- Você disse que eu podia contar com você...
- Mas eu não sei se quero que você recobre a memória, Mel. – o rapaz estava tenso e seu olhar triste. – Pode trazer só mais sofrimento, e eu não quero te ver sofrer. Nunca mais. Já chega naquele velório...
- Mas se eu não souber vou sofrer pro resto da vida. – segurou o rosto do namorado entre as mãos. – Eu preciso de você.
Pentéls ficou um tempo em silêncio, apenas fitando os olhos suplicantes da garota.
- O que eu não faço por você?! – viu-a sorrir antes de envolvê-la em um beijo profundo.

Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 5:16 da tarde;

Rod estava sentado na cadeira em frente ao computador da sala de estudos. Pesquisava qualquer coisa boba em um site de relacionamento da internet, quando percebeu Lu passar pela sala sem o cumprimentar.
- Opa, opa, opa! – disse levantando-se e seguindo até a porta, fazendo com que a prima que andava no corredor vira-se pra traz. – Cadê o meu “boa tarde”?
- Boa tarde. – ela respondeu dando um sorriso discreto.
Rodrigo observou as bochechas perceptivelmente mais rosadas da garota e seu olhar mais brilhante. Por certo algo tinha acontecido com ela. Algo que, mesmo que não soubesse o que era, incomodava-o profundamente.
Sentia que a expressão iluminada da prima tinha a ver com aquele rapaz. Arthur. Só podia ter! Esse tipo de situação fazia os pensamentos de Rod revirarem-se em sua cabeça e seu estômago pensar em embrulhar. ‘Pobre Lu.’ Pensou. ‘Tão inocente. Tão alheia aos assuntos dessa escola.’
- Pode deixar que hoje eu arrumo o jantar, molengo. – ela ofereceu, cruzando as mãos enfrente ao corpo, como uma criança.
- Está de bom humor, é? – sentia-se desconfiado.
- Não muito.
- Não é o que parece. Aliás, o que parece é que seu humor mudou radicalmente desde manhã. – arqueou uma sobrancelha. – Algum motivo em especial?
Lu observou o primo durante alguns segundos, deduzindo onde sua desconfiança queria chegar. Balançou os ombros e abriu a boca pra responder:
- À toa.
Virou-se de costas e voltou a andar em direção ao quarto, com um sorriso esperto querendo surgir em seu rosto. Lua tinha escondido a blusa larga de Thur dentro de sua mochila verde-limão, prevendo que o espanto e as perguntas de Rod seriam sufocantes se a visse.
Entrou no cômodo jogando a mochila no canto e pulando de bruços na cama. Apertou o travesseiro contra o rosto e deixou que um sorriso surgisse devagar.

Londres; Wimbledon; Quarta-feira; 6:32 da noite;

Arthur esperava impacientemente o passar de andares do elevador. Um décimo segundo andar nunca lhe parecera tão distante. Talvez fosse apenas a ansiedade... Ou sua insaciável sede pela descoberta.
Quando a porta do elevador abriu, deu passos longos e firmes até a porta de carvalho do apartamento 1203. Deu socos leves na porta.
- Detetive Daves?
O rapaz perguntou com o cenho franzido.
Suas pernas estavam um pouco mais bambas depois da ligação que recebera aquela tarde. Ele tinha descoberto alguma coisa. Alguma coisa que, estando na pista certa, levaria às provas da culpa da pessoa que Thur julgava ser a mais desprezível da Terra.
- Senhor Aguiar. – o homem grisalho com um terno marrom abriu a porta, fazendo sinal pro rapaz entrar.
- E então, detetive Daves, o que descobriu? – perguntou passando uma mão na outra, com o nervosismo.
- Preciso que o senhor assente, primeiramente. – apontou um lugar no sofá camurça. Arthur obedeceu.
O local era pouco iluminado, deixando os traços dos rostos de ambos quase imperceptíveis.
- Não me deixe ansioso. Por favor.
- Lembra que o senhor pediu-me pra que fizesse um estudo sobre a família Andersen? – sentou-se, no outro sofá.
- Claro. A família daquele homem. – Thur disse enrijecendo o maxilar com o nojo.
- Creio que descobri uma coisa digamos... Digna de nota. – detetive Daves analisou o garoto, que agora parecia mais ansioso do que anteriormente. – Sem mais delongas. Tome.
O homem pegou um envelope em cima da mesa e entregou-o nas mãos de Arthur, que parecia estático.
- Quero que dê uma olhada nesses documentos.

Quando Thur terminou de ler o conteúdo do envelope, sua fala parecia presa na garganta. Seus olhos estavam mais arregalados do que de costume, e sua mente trabalhava em grande velocidade, tentando achar alguma conexão entre os fatos.
- Sally Andersen? – balbuciou com a voz sufocada. O detetive consentiu. – Tem certeza que é a filha dele?
- Tenho. – o homem estava sério. - Não acha um tanto... Curioso que ela tenha recebido tal tipo de tratamento justamente...
- No hospital do meu pai?! – o rapaz completou, ainda em choque.
- E além disso, olhe o custo do transplante. – esticou um dos seus dedos gordos pra apontar pra uma parte do papel. – É impossível que um mero jar...
- Tenha pagado por isso. – Thur novamente completou sua fala, sem esperar que o homem terminasse e postando-se de pé rapidamente. – Tenho uma ligação a fazer.
Falou seco, soltando novamente o envelope na mesa de vidro em frente ao sofá.

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