01 março, 2013

Ópera - capítulos 4, 5 e 6




Londres; Highgate High School; Terça-feira; 9:43 da manhã;

- Bem, classe... – ela dizia andando de um lado pro outro na frente do quadro. – Como todos vocês sabem, hoje é o dia do sorteio das duplas pros trabalhos desse ano. Elas já foram sorteadas por mim. Só falta mostrá-las a vocês.
- Trabalhos desse ano? – Lua cochichou pra Melanie. – Todos? Pensei que fosse só de Literatura.
- São todos. Mas o principal é o de Literatura, da senhora Paskin mesmo. – balançou os ombros. – Todo ano fazemos o trabalho sobre um autor diferente.
- Vincent e William. – começou a pronunciar os nomes.
- Tomara que eu saia com você. – cruzou os dedos, fazendo a amiga sorrir.
- Também queria sair com você, mas isso é difícil. A sala tem quarenta alunos. – fez careta.
- Droga.
- Johnatan e Avril; Evelin e Melanie...
- Adeus, amiga. – Mel deu um suspiro derrotado. – Vou ter que fazer com a insossa da Evelin.
- Lua e... – senhora Paskin olhou-a por cima dos óculos, dando um pigarro em seguida. Sabia como prová-los que o rapaz não era o culpado, ou, pelo menos, dar uma chance ao mesmo. Talvez uma pequena trapaça fosse inofensiva... – Arthur.
A menina sentiu o coração descompassar, olhando em direção à porta e observando o garoto com os lábios semiabertos, que fitava a professora como se estivesse surpreso. Fingiu não perceber que todos os alunos da sala se entreolharam.
O rapaz virou os olhos pra ela repentinamente, fazendo-a engolir a seco e virar-se pra mulher de roupas escuras, na frente da turma.

Londres; Civic prateado;Terça-feira; 3:25 da tarde;

- O QUÊ? – Rod gritou, deixando o espanto subir-lhe a cabeça. – Você? Dupla com aquele cara? NUNCA.
- Ele salvou a minha vida, Rod. Por que não pode acreditar que ele é uma boa pessoa? – cruzou os braços.
- Ele... Ele não é. Pode até ser que ele tenha salvado a sua vida. Mas isso foi algo inédito. Ele não...
- Admita que você não tem argumentos.
- Ok, não tenho. Mas e daí? Eu não quero você junto dele.
- Por que não?
- Porque não. – focou na direção. Lua respirou fundo, tentando se acalmar. Ela era tratada como uma criança que tinha que ficar alheia aos assuntos, afinal. – Desculpa. Eu sei que não é justo com você.
- Que bom que sabe.
- Mas tente entender, Lu. Eu só quero o seu bem. – franziu o queixo. A garota segurou seu ombro.
- Então me deixe ser independente. Começando por eu fazer dupla com ele. – o primo apertou mais sua mão no volante.
- Ok. Mas qualquer encontro de dupla será lá em casa, e sob minha supervisão. – decretou.

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 11:57 da manhã;

- Cara, eu amo melancia. – Pentéls comentou enchendo a boca, na hora do intervalo.
- Onde você achou melancia no cardápio? – a namorada olhou-o interessada. As pessoas de sempre estavam à mesa: Rod, Mica, Lu, Pentéls e Melanie.
- Eu trouxe de casa.
- Não sabia que podia trazer comida de casa. – Lua disse, apoiando o cotovelo na mesa.
- Não é proibido.
- Eu já contei a piada do bêbado no cemitério? – Mica perguntou.
- Estava demorando... – Rod.
Enquanto os amigos prestavam atenção na piada, a garota passou os olhos por todas as pessoas no refeitório: A mesa das líderes de torcida, onde a ex-namorada de Mica estava sentada; a mesa dos jogadores de futebol, onde estavam Scott e Bennet; a mesa de alguns rapazes descolados, que estavam sentados com duas meninas com a saia curtíssima. Tudo parecia estar em seu devido lugar. Menos uma pessoa...
- Mel. – chamou baixo. A menina olhou-a. – Er... Todos os alunos não deveriam passar o intervalo no refeitório? – Melanie passou o olhar devagar por todos, virando-se novamente pra Lu.
- Ele passa o intervalo no corredor, se é o que quer saber. – balançou os ombros, apesar de séria.
Lua endireitou o corpo na cadeira, vendo os três amigos disputarem quem comia mais depressa.
 cap.5
- Ok. Chega de comer. Temos aula do senhor Walker agora. Ele detesta que cheguem atrasados. – Melanie disse, puxando o braço da garota, que ainda enchia a boca com um pedaço de torta.
- Está tão boa. – fez bico.
- Sério. Até os meninos já foram embora! Isso é um péssimo sinal. – brincou.
- Vamos, então.
Saíram do refeitório subindo as escadas pro terceiro andar rapidamente.
Quando estava prestes a terminá-las, onde Melanie a esperava, Lu chocou seu ombro contra o de outra pessoa, que descia.
- Desculpe. – disse encarando os olhos verdes do garoto, que retribuiu o olhar com uma espécie de felicidade, espanto e horror ao mesmo tempo.
- T-tudo bem. – juntou as sobrancelhas. – A culpa foi... – perdeu a respiração por uns instantes. – Minha.
- Tchau, então. – deu um sorriso amarelo, voltando a subir as escadas e parando por fim, no último andar.
- Espera! – ele gritou. – Quem é você?
- Eu? – apontou pra si mesma. A amiga alternava o olhar dela para o menino loiro, que consentiu. – Lua Dourado.
- Lua... – repetiu, com a voz baixa. – Meu nome é Duan Adams. Prazer. – sorriu amigavelmente, depois virou seu olhar pra garota ao lado. – Ei, Mel. Como vai?
- Muito bem, Duan. – respondeu. – Vamos, Lu. O senhor Walker...

Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 8:02 da noite;

- Lu do céu, você entrou em coma ou o quê? – Rod perguntou do batente da porta, fazendo a garota abrir os olhos pesados e olhá-lo. – Está dormindo desde que voltamos da escola...
- Já vou levantar, molengo. Um segundo. – balbuciou.
Tinha sonhado com Nick. Ela sabia que sim.
Ainda podia sentir seu toque nos sonhos, seu cheiro, ver os detalhes do seu rosto. É, talvez ela ainda o amasse. No fundo. Mas nada a faria desistir do sonho de ir pra Inglaterra. Nada.
Sentou-se na cama examinando o quarto. Quase do tamanho do seu, no Brasil. O armário de carvalho, o piso um carpete. Aconchegante.
Apoiou-se pra levantar, sentindo um ponto dolorido no braço esquerdo: Onde Aguiar tinha puxado-a, impedindo que fosse atropelada.
Aguiar. Outra pessoa que a intrigava. Era um garoto estranho, apesar de lindo. Aos seus olhos, e acreditava que aos de todos, parecia ser perigoso e misterioso ao mesmo tempo. O tipo de cara que oferece riscos. Estilo bad boy. Isso a atraía nele. Aliás, o que ele tinha que não a atraia? Seus cabelos organizadamente bagunçados, sua pele um pouco pálida, boca rosada, e os olhos. Olhos frios de um atirador. Foscos. Sombrios. Atraentes.
Expirou passando a mão direita de leve no braço dolorido. Ela não o tinha agradecido devidamente. Devia sua vida a ele. Mas o que fazer pra demonstrar sua gratidão?

- Tio John? – gritou da cozinha. O senhor assistia futebol com o filho, na sala. – Onde tem farinha?
- Farinha, Lu? – Rod perguntou confuso.
- No segundo armário, querida.
- Pra quê? – o primo voltou a perguntar.
- E a batedeira?

Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 11:54 da manhã;

- Lu, posso te fazer uma pergunta? – Melanie disse observando-a, a caminho do refeitório. A garota assentiu. – O que tem nessa trouxa que você está carregando pra lá e pra cá desde o início das aulas?
- Ah. Isso é... Nada. – balançou os ombros. – Mel, você pode ir na frente? Estou apertada pra ir ao banheiro. – apontou pra placa do feminino, quando passaram por ele.
- Claro. Te espero na mesa, então.
- Não repare se eu demorar. Eu estou nos dias. Sabe como é. - fez careta.
- Pior é que sei. Não se preocupe. Quando eu menstruo, fico horas agoniando de cólica, eu entendo. – mandou um beijo no ar, continuando seu caminho.
Lua acompanhou-a com os olhos até que ela vira-se o corredor, depois deu de costas e subiu novamente a escada pro terceiro andar.

Estava escorado na parede, como sempre. Olhava o teto como se pudesse ver alguma coisa de interessante.

“– Por que você tanto olha pra cima? – ela perguntou, curiosa.
- Algum problema com eu olhar pra cima? – juntou as sobrancelhas. Estavam sentados na grama do parque Russel. A garota estava encaixada entre suas pernas, ele afagava-lhe os braços.
- Não. Mas é uma mania esquisita.
- Mania esquisita é você ficar reparando em tudo que eu faço, Iv. – brincou, lhe dando um beijo na bochecha.
- Que culpa eu tenho? Eu gosto de te observar.”

Deu um sorriso leve, fechando os olhos.
Depois de um tempo apenas tentando relembrar todos os detalhes daquela lembrança, ouviu passos aproximando-se no corredor. Provavelmente Scott, procurando por uma nova surra. Tentou não se incomodar, e manter-se com os olhos cerrados.
Quando chegaram ao seu lado, os passos cessaram. Sem socos. Sem chutes. Sem provocações... Suaves demais pra ser de um zagueiro brutamontes.
Abriu os olhos mirando seu lado esquerdo de rabo de olho e sentindo o coração acelerar.
O que ela estava fazendo ali? Droga.
- Bom dia. – deu um sorriso que ia de uma orelha a outra.
Ele ficou calado, apenas mantendo-a em foco.
- Eu sei que você não costuma a ter companhia na hora do intervalo. – encostou-se na parede ao seu lado. – Não sei se é porque você não gosta, ou porque você tem medo de se relacionar. – ‘Medo de me relacionar? Hunf’, pensou em deboche. – Mas de qualquer forma, se não se importar, quero te acompanhar no intervalo de hoje. Fiz até um bolo de chocolate pra você, em agradecimento por ter salvado minha vida. – estendeu a trouxa azul. Ele olhou a vasilha, depois subindo para sua mão que a segurava, seu braço, seu pescoço, até chegar ao rosto delicado.
- Não preciso disso. – respondeu seco.
O sorriso de Lu foi se desfazendo aos poucos, recolhendo a mão estendida e juntando-a ao peito.
- Me desculpe. – respondeu baixo e rouca. – Eu vou embora.
Thur observou a garota virar de costas e se afastar, passando as mãos pelos cabelos com o peito carregado. Merda. Por que ela fazia isso com ele?
- Hey, você. – disse mais alto. – Espera. – a menina acelerou os passos, ignorando-o. – Espera. – começou a segui-la.
Quando por fim estava perto o bastante, segurou seu ombro. Ela virou-se a contragosto, olhando-o magoada.
- Eu não... – deu um pigarro, olhando-a nos olhos. – Eu não quis dizer isso. Me desculpe.
Lua encarou-o. Seus olhos de atirador estavam sinceros, apesar de receosos. Talvez ele realmente tivesse um motivo pra ser tão fechado. Do que adiantaria ficar brava com ele?
- Tudo bem.
- P-pode... – coçou a nuca, incomodado. – Pode passar o intervalo comigo. Se quiser...
- Vai aceitar o bolo? – arqueou uma sobrancelha. Thur estendeu a mão pra ela, que sorriu em seguida.

- Você não vai falar nada? – Lu perguntou sentada no corredor, ao lado do garoto que colocava um pedaço do bolo de chocolate na boca.
- O bolo está bom. – respondeu com a expressão neutra.
- Mais nada?
- Não tenho nada a dizer. – um breve silêncio instalou-se entre os dois.
- Mas eu tenho. – ela balançou os ombros. – Eu sou brasileira, sabe. – ‘Brasileira?’– Então eu tomei um choque quando vim pra essa escola. Não que seja muito diferente das escolas no Brasil, mas as pessoas me olham torto. Até cheguei a pensar que fosse o jeito britânico de se olhar pros outros, mas não. – abraçou os joelhos. – E sabe qual é o mais estranho? – Thur olhou-a seriamente, acompanhando o raciocínio. – É que eu tenho a impressão que tudo isso está relacionado a você...
Soltou o pedaço de bolo dentro da vasilha, olhando pra parede a sua frente. Expirou devagar e inaudivelmente, deixando seus braços caírem de forma que encostasse a vasilha no chão. Lua também estava parada a seu lado, e pareceu não ter nenhuma reação.
Ninguém tinha dito a ela. Deu uma risada baixa e seca.
- Não te falaram nada sobre mim? – quebrou o silencio.
- Apenas que era pra eu ficar longe de você. – pigarreou, vendo o menino expirar depressa com um sorriso de deboche na face e virar o rosto pro outro lado. – Me desculpe, eu não quis dizer isso.
- E por que não obedeceu? – perguntou-a baixo.
- Porque... você salvou a minha vida. Não é uma má pessoa. Eu acho. – juntou as sobrancelhas, olhando os joelhos.
- Ninguém te garante.
- Você não está fazendo nada ruim agora, está? – ele riu seco.
- Você não sabe nada sobre mim.
- Que tal começar a me contar? – propôs com um sorriso doce nos lábios.
- Tenho mais o que fazer do que falar sobre a merda da minha vida. – levantou-se.
- Okay. – ela balançou os ombros. – Pelo menos me diz: Qual é o nome da sua banda?
- Quê?
- Aquela que tocou no pub... No Mark’s. – levantou o queixo para olhá-lo.
- The Lumps. – cruzou os braços, voltando a olhar a parede.
- Nome curioso. – disse, vendo-o bufar. – Você não é mau, Arthur. – comentou, apoiando-se nos joelhos para levantar-se. – É apenas solitário. – Sorriu leve pra ele, antes de dar as costas e voltar pra escada. Thur acompanhou-a com os olhos até que a mesma desaparecesse de vista. Seu corpo estava mais quente. Era como se tivesse recuperado um pouco da vida que lhe fora roubada. Mas a que se devia isso?
- Lu! – o primo gritou novamente com a boca cheia, da mesa de sempre. Pentéls e Mica disputavam na queda de braço, Melanie ria histericamente de tudo.
Aproximou-se com um sorriso frouxo.
- Demorou. Onde você estava?
- Problemas femininos...
- Argh! Não entre em detalhes, por favor. – fez careta, fazendo com que a prima risse.


Capítulo 5-

Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 10:17 da manhã;

Mural de avisos da escola:

“Horário da educação física feminina alterado para 4:00p.m”

- Yes! – Melanie comemorou, abraçando a amiga pelo lado.
- O que tem de tão bom a respeito disso, Mel? – Lu olhou o mural com cara de tédio.
- É o horário do treino de futebol masculino do colégio. – deu o mesmo sorriso que uma criança faz quando ganha um pirulito.
- E...?
- Que raciocínio lerdo. – revirou os olhos. – Gatinhos suados. – disse o óbvio.
- Pentéls, pelo jeito, é esquecido em horas como essa. – a garota riu baixo.
- Claro que não. Eu o amo. Mas não é por causa dele que eu vou parar de ter bom gosto, não é? Não sou cega.
- Okay, okay, “senhorita saidinha”. Vamos voltar pra sala.

- Olha isso, cara. – Bennet disse pra mais dois garotos, apoiando-se nos armários do corredor pra olhar o quadril de duas garotas que passavam. Arthur, que colocava o livro de cálculos de volta no seu armário, olhou de rabo de olho o grupo de garotos, em seguida, o que eles observavam.
- Mal dá pra acreditar que vamos ver isso todo dia na hora do treino. – outro sorriu maliciosamente.
- Isso vai ser tudo de bom, chapa. – o terceiro repetiu o sorriso.
Thur focou o fundo do armário perdendo-se em pensamentos por alguns segundos. Depois fechou-o e seguiu pra sala de aula, com as mãos nos bolsos.

Londres; Highgate High School: Ginásio Poliesportivo; Segunda-feira; 5:13 a tarde;

- O QUE NÓS QUEREMOS? – uma ruiva gritou levantando bem alto os pompons azuis de torcida.
- GARRA.
- O QUE NÓS QUEREMOS?
- UNIÃO.
- QUAL É O TIME?
- EAGLES! – as demais começaram a fazer a coreografia, levantando alto as pernas e balançando os pompons.
- Argh. – Sophia disse parando de dançar e levando a mão ao peito, ofegante.
- Tudo bem, Soph? – Melanie perguntou aproximando-se dela.
- Tudo bem, Mel. É só que essa vida de líder de torcida está me deixando exausta.
- O mesmo digo eu. – puxou o colant um pouco pra frente, soprando dentro do mesmo. – Vamos sentar um pouco. Talvez melhore.
Sentaram-se no inicio da arquibancada. Sophia ainda estava ofegante, deixando a amiga preocupada.

Londres; Highgate High School: Porta do ginásio; Segunda-feira; 5:15 da tarde;

- Deu sorte, Aguiar. – o treinador Stevens disse arrumando o boné na cabeça. – O senhor Hills acabou de quebrar a perna. Estávamos mesmo procurando alguém pra substituí-lo. E adivinha qual era a posição dele? – deu uma gargalhada calorosa. – Muita coincidência, não acha?
- Bastante, senhor.
- Espero você aqui pro treino, começando amanhã.

Londres; Highgate High School: Ginásio Poliesportivo; Segunda-feira; 6:02 da tarde;

- Parece que já terminamos o treino por aqui, garotas. – a treinadora das líderes de torcida disse, batendo palmas. – Vão pra casa e descansem. A grande estréia está chegando.
Mica deu uma tragada no cigarro, sentado na arquibancada. Observou todo o treino das líderes de torcida, como fazia toda segunda e quarta. Percebeu alguém aproximar-se e virou o rosto pra olhar.
- Oi, Mica. – a garota beijou-o na trave da boca, de surpresa.
- Kimberly. – disse seco, virando-se pra frente.
- Nossa. Por que tanta frieza? Você não fala comigo direito desde que...
- Desde o quê, Kim? Você já fudeu com a minha vida mesmo. O que mais quer de mim? – irritou-se.
- Não precisa ser grosso.
- Me deixe em paz. – levantou-se descendo as arquibancadas vendo o ginásio já vazio.

- Droga. – Micael disse passando as mãos contra o corpo, sentindo o vento frio tocar-lhe a pele. Passeou pela grama verde que estava escura, graças ao tempo.
Amaldiçoava-se mentalmente por ter estacionado o carro longe do ginásio. Onde estava com a cabeça?
Finalmente avistou o automóvel vermelho estacionado na rua. Tirou a chave do bolso para abri-lo.
Suspirou, colocando a mão na alça da porta para puxá-la, quando sentiu uma espécie de cano gelado encostar-se a seu pescoço. Sentiu a espinha gelar ainda mais.
- Passa a chave, que tudo vai ficar bem. – uma voz masculina dura e rouca disse atrás do mesmo. Mica levantou as duas mãos.
- C-Calma, cara. – gaguejou. – Já vou passar. Só... Calma. – virou a mão direita devagar, estendendo a chave com os dedos.
- Deixe-o em paz. – outro rapaz disse, fazendo com que Mica espremesse os olhos.

Thur olhava o assaltante sem demonstrar-se intimidado. Imprudência? Quem sabe.
- Aguiar, você está louco? – Micael sussurrou, sendo virado pra frente do rapaz pelo homem armado.
- Um justiceiro? Era o que faltava. – o homem riu em deboche. – E por que você acha que eu o deixaria em paz?
- Pra quê ter um Fiesta vermelho se você pode ter um Audi preto? – apontou pro próprio carro com o queixo, estendendo a chave com a mão esquerda, e levantando a outra mão. – Solte o garoto e o carro é seu.
- Acha mesmo que eu vou cair nessa? – o ladrão disse sério, envolvendo o pescoço de Mica com o braço e aproximando mais ainda o revólver de sua testa.
Esse, por sua vez, começou a rezar mentalmente, perdendo a respiração. – Prove que essa é a chave do carro. – Thur sorriu torto, apertando um botão no chaveiro o qual estava a chave, e fazendo o alarme do Audi disparar.
- Satisfeito?
- Vamos fazer uma troca. – o homem umideceu os lábios com a língua. – Você me passa a chave. Eu te passo o garoto.
- Fechado.
- Quando eu contar até três, você manda a chave. – Arthur balançou a cabeça positivamente. – Um. Dois. Três. – empurrou Mica na direção do rapaz. Thur segurou-o com o braço, impedindo-o de cair. Lançou o chaveiro diretamente na mão do assaltante.
- Agora quietinhos. – ele disse ainda apontando a arma pros dois e apertando o botão de abrir o carro. Seguiu pro Audi fechando a porta, antes de deixar de mirá-los.
- Deus. – Mica sussurrou trêmulo, observando o veículo preto se afastar. – Deus... Deus! – repetiu. Thur deu uma risada baixa. – DUDE, QUE PORRA FOI ESSA? – balançou os ombros do menino que agora gargalhava. – SÉRIO! COMO ASSIM, O CARA APONTOU UM REVÓLVER PRA MINHA TESTA? CALMA. VOCÊ DEU SEU AUDI POR MIM? – soltou o ar, fazendo um som estridente. – Agora eu estou me sentindo bem de verdade. Porra, eu valho pra você o que? Quanto custou aquele carro?
- O preço não importa. – disse já retomando a aparência fria.
- Não, sério. Você perdeu o seu Audi A-oito. Por mim. Você é louco?
- Eu tenho como localizá-lo e pará-lo por satélite, Borges. – olhou o Fiesta. – Era melhor do que você perder seu carro pra sempre.
- É. Meu pai se nega a me dar um melhor. Ele acha que eu sou muito irresponsável. – fez aspas com os dedos, apesar de ainda estar nervoso. – Precisa de carona pra algum lugar? De um leal servo?
- Não, Micael. Obrigado. – tirou o celular do bolso da calça social preta. – Eu chamo um táxi.
- Quê? Nunca. Gastar mais dinheiro que você já gastou comigo hoje? Eu insisto. – Thur alternou seu olhar de Mica pro veículo vermelho. O aparelho em sua mão começou a tocar.
- Alô?
- Margarida, cadê você? – reconheceu a voz do outro lado da linha.
- Ainda estou na escola, dude.
- Se eu fosse você viria pra cá agora. O Josh já está piradão aqui com o atraso do ensaio.
- Eu já estou... Er... – olhou novamente o carro vermelho e os olhos pidões de Mica. – Indo.

Londres; Dockland; Segunda-feira; 7:47 da noite;

- É aqui. Obrigado.
- Quê isso, chapa. Eu que agradeço. Você salvou a minha vida e o meu couro. – fez careta com a imaginação do pai descobrindo que o carro havia sido roubado. Thur abriu a porta do Fiesta já impulsionando o corpo pra fora. – E... Aguiar. – olhou pra traz, dando de cara com um Micael sério. – Sobre aquele assunto... Eu nunca acreditei que tivesse sido você.

- Qual é, margarida. Quase mata seu irmãozão aqui de preocupação. – Duan disse descendo do palco improvisado e indo em direção ao rapaz perdido em pensamentos. – Margarida?
- Oi? – situou-se no local.
- Onde você estava?
- Escola. Preciso ligar pro seguro do carro. Comecem o ensaio sem mim. – começou a discar números no celular, deixando os outros dois garotos confusos.

Londres; Highgate High School; Terça-feira; 12:02;

- Hey, Aguiar. – Mica disse aproximando-se do garoto escorado na parede do corredor. Esse soltou um suspiro impaciente. – Trouxe uma coisa em agradecimento por você ter salvado a minha pele.
- Bolo de novo não. – murmurou, olhando pra cima.
- Quê? – arqueou as sobrancelhas. – Não. Vamos jogar baralho!
Aquele seria um ano muito, muito longo.



Capítulo 6-

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 9:23 da manhã;

- Podem se juntar com suas duplas, hoje vou passar o tema do trabalho de literatura desse ano. – senhora Paskin disse, fazendo com que Thur soltasse um suspiro pesado, observando todos da sala se levantarem e irem atrás de seus parceiros.
Olhou pras costas da menina sentada no canto. Ela ainda não tinha movido um músculo. Seus cabelos estavam mais brilhantes do que de costume, embora parte deles estivessem presos por uma piranha prateada. Mas espera! Como ele sabia sobre o brilho de seus cabelos? Talvez estivesse a observando mais do que deveria. Mais do que deveria...
A garota levantou-se e seguiu na direção dele, olhando para os lados. Ele acompanhou-a com o olhar.
- Hey. – ela disse leve. – Vou me sentar ao seu lado, ok? – ele balançou os ombros, vendo-a sentar. – E aí, como vai?
- Não muto melhor. – respondeu inexpressivo. Ela murmurou um “Hm”, e cruzou os braços por cima da carteira. – E você? – virou-se pra frente.
Não era típico de si mesmo querer saber algo sobre alguém. Ainda mais sobre alguém que tanto o perturbava.
Ela o olhou com os olhos um pouco mais brilhantes. ‘Já é um avanço. ’ Pensou.
- Vou bem. Pra falar a verdade, estou gostando da escola. – sorriu simpática.
- Está gostado disso aqui? - Arthur ironizou. - Então as escolas no Brasil deviam ser um purgatório...
- Seu humor negro é realmente imperdível, Blanco. - ela riu baixo, fazendo-o ficar ainda mais ranzinza.
- Como maioria de vocês sabe, todo ano é sorteado um autor diferente pra que me apresentem um trabalho completo sobre ele e suas obras no final do ano. – alguns alunos assentiram. – O autor sorteado esse ano é ninguém mais ninguém menos do que o escritor inglês de maior sucesso... William Shakespeare.
- Odeio estudar gente que viveu há mais de um século. – Melanie sussurrou, fazendo a parceira rir.
- Boa sorte com isso. – senhora Paskin ajeitou os óculos tortos no nariz adunco. – Lembrando que a primeira parte do trabalho, é a biografia do autor em questão.
- Detesto biografias. – Thur murmurou, apoiando a testa com o polegar e o cotovelo na carteira.
- Há alguma coisa que você não deteste? - brincou enquanto ele bufava impaciente. A menina sorriu ao vê-lo faze isso. - Shakespeare é legal. – falou aérea. – Você vai ver. – ele a olhou de rabo de olho, respirando profundamente. – E então, como vamos fazer o trabalho?
- Isso é com você. - decretou.
- Ótimo. Vai fazer alguma coisa amanhã à tarde?

Londres; Highgate High School; Quadra; Quarta-feira; 4:24 da tarde;

- Vocês jogam feito mulheres! Acelerem o passo. – treinador Stevens berrou pros alunos que rolavam as bolas de futebol uns pros outros.
- Treinador. – Thur disse chegando ao seu lado.
- Blanco. Por que não veio ontem? – disse nervoso, olhando o garoto com a expressão séria. Os outros continuavam a treinar, sem se importar com a presença dele.
- Não tinha como vir, senhor Stevens. Meu carro foi roubado.
- O Audi? – deixou o queixo cair.
- Já recuperei. O ladrão nem tinha ido tão longe assim...
- E o que você ainda está fazendo com essa roupa? – apontou pra gravata vermelha sobreposta à camisa social branca. – Vá para o vestiário agora. Seu antigo uniforme está lá.
- Obrigado, senhor. - concordou, já dando de costas pro campo.

- Blanco? – Scott disse debochado pra Bennet, observando-o chegar à quadra com o uniforme de treino dos Eagles. – O que ele está fazendo aqui?
- Pensei que ele tivesse desistido do futebol pra sempre, desde que...
- Calem a boca. – Duan, goleiro do time, disse por trás dos dois. – Se acham que ele é do tipo que desiste, é porque não conhecem o Thur. – olhou o rapaz. – Dude, aqui! – fez sinal pra que ele se aproximasse.

- O incrível com relação ao Blanco, - treinador Steves estava sentado no banco do campo, ao lado de Duan, que mirava o nada com os cotovelos apoiados nas pernas. O treino já tinha acabado, e estava começando a escurecer. Apenas os dois ainda estavam lá. – é que mesmo tendo ficado esse tempo todo afastado, ele ainda volta como um dos melhores da equipe.
- O Thur é o meu ídolo. – o rapaz brincou acompanhando três garotas que saiam da educação física com os olhos. – Que maravilha. – sorriu tarado. – Obrigado senhor diretor por esse presente no final do treino. – o treinador riu baixo.
Foi a vez de duas garotas com os cabelos longos saírem do ginásio. Riam de qualquer coisa, e mais do que as outras, chamaram a atenção do rapaz de olhos verdes. Fitou-as interessado. O homem gordo e quase grisalho ao seu lado acompanhou seu olhar.
- Tem bom gosto, senhor Adams.
- Se me der licença, senhor. – sorriu torto, levantando-se e seguindo em direção a elas.

- Juro que eu não vi a bola se aproximando. – Lua disse fazendo Melanie dar uma risada.
- Aquilo foi bem ridículo mesmo. – passou as mãos nos cabelos suados.
- E sabe que o pior nem foi... – ia continuar a frase, se não tivesse visto o garoto loiro andar na direção das duas e parar a sua frente.
- Hey, Mel. – ele cumprimentou. Melanie sentiu o coração acelerar. Julgou uma reação idiota, continuando a olhá-lo. – Hey, Lua. – disse-lhe com uma voz aveludada, analisando-a de cima a baixo. A garota sentiu as bochechas esquentarem. Estava com um short preto de lycra mínimo, assim como todas as garotas da educação física.
- Olá, Duan. – Melanie estreitou os olhos.
- Oi.
- Gostaria de oferecer uma carona às duas. Topam?
- Meu namorado deve estar passando por aqui daqui a pouco. – balançou os ombros de leve. – Mas mesmo assim, obrigada por se oferecer.
- E você, Lua? – deu um sorriso torto.
- Eu estava pretendendo pegar um táxi...
- Você não vai me fazer essa desfeita. – olhou-a com olhos pidões. Ela revirou os olhos, sorrindo.
- Tudo bem. Eu topo.
Ouviram duas buzinas vindas de um Hyundai i30 que acabara de estacionar no quarteirão da escola. Melanie sorriu.
- Gente, Pentéls chegou. – disse começando a se afastar. – Já estou indo.
- Tchau, Mel. Até amanhã. – a amiga disse. O rapaz fez um sinal com a cabeça, despedindo-se.
Melanie observou o namorado sorrir dentro do veículo, andando um pouco apressada até ele. Quando estava chegando ao carro, virou o rosto pra traz, com a intenção de dar uma última olhada nos dois, antes de partir.

“- Mel, eles estão lá conversando já tem um tempo. – Sophia disse preocupada, olhando na direção de um casal, na saída do ginásio.
- Tudo bem, Soph. Eles devem estar falando algo sobre o Thur. - ela deu de ombros.
- Sobre o Thur? Será?
- A Iv estava bastante chateada com ele esses dias. Duan deve estar tentando amenizar as coisas.
- É. Deve ser. Mas daqui a pouco precisamos tirá-la de lá ou chegaremos atrasadas na casa do Mica.
- Hm, minha pequena apaixonadinha. – apertou a bochecha da amiga, que riu sem graça. – Vamos esperar só mais um pouco.”

- Mel? – Pentéls perguntou de dentro do carro, preocupado com a namorada que fitava o vazio. – Mel, tudo bem?
- Pentéls. – ela disse ofegante.
- O que foi, amor?
- Eu... Er... – virou-se, olhando perplexa pra ele. – Aconteceu de novo.

- E então, Lu. – Duan disse apontando pro Toyota azul-marinho estacionado ali perto, com o queixo. O clima já estava começando a ficar mais fresco. – Me diga algo sobre você.
- Tudo bem. – ela balançou os ombros. – O que quer saber?
- Você é daqui de Londres mesmo?
- Sério que eu te passei essa impressão? – disse boquiaberta, esboçando um sorriso ainda assim. Continuavam a caminhar lado a lado.
- Não era pra passar? – juntou as sobrancelhas, confuso.
- Não é isso. – riu baixo. – Eu sou brasileira. Ganhei bolsa na Highgate.
- Brasileira? Sério? – arqueou as sobrancelhas. – Wow. Te confesso que nem parece. - surpreendeu-se. - Seu inglês é perfeito.
- Ganhei o dia. – disse vendo-o abrir a porta do carro pra ela.

Londres; Quarta-feira; 6:17 da tarde;

- Ethan... – Sophia disse segurando o braço do namorado. Andavam por uma das ruas comerciais da cidade. – Vamos entrar na loja de doces?
- Eu já não te dei uma caixa de bombons semana passada?
- Mas já acabaram. Além do mais, eram de café.
- Qual o problema de serem de café? – perguntou seco.
- Nenhum, mas é que... Vamos entrar? – fez bico.
- Não, Sophia. Não foi você mesma que disse que não podia engordar pra caber no colant das líderes de torcida, ou algo assim?
- Mas Ethan...
- Deixe de ser mimada.

Londres; Dockland; Quarta-feira; 6:23 da tarde;

Thur estava deitado no aparelho de levantamento de peso, carregando barras com 32 quilos de cada lado. As únicas horas em que conseguia ter paz era quando estava completamente sozinho. Ou pelo menos, apenas com o cachorro.
Estava na pequena academia no terraço do prédio, encarando o teto.
“Você não é mau, Arthur... É apenas solitário.” Riu baixo da lembrança, em deboche.
- O que você sabe sobre mim? – murmurou.
O cachorro levantou a cabeça, olhando em direção a porta. Deu um latido abafado. Arthur ouviu passos entrando na academia. Procurou não se importar, continuando a levantar os pesos e ignorando a presença da outra pessoa.
- Você é sempre tão sozinho, Thur. – a garota disse passando uma das pernas por cima do seu corpo, e assentando-se em seu quadril. – Deixa eu curar essa solidão. – inclinou-se, colocando as duas mãos no peito descoberto do rapaz.
- Brittany. – deu uma risada seca, olhando a loira com os cabelos presos em um coque. – Quem te deixou entrar?
- Duan pediu pra que eu entrasse. Era surpresa pra você. – fez bico.
- Eu quero ficar sozinho, se me der licença. – continuou a levantar peso.
- Não. Não dou. – deitou o corpo sobre o dele, colocando a cabeça em seu peito.
- Dá licença, Brittany. É sério. – o garoto levantou-se, de forma que a fizesse levantar também.
- Ah. Qual é, Thur? – colocou as duas mãos na cintura. – Um pouco de diversão não faz mal pra ninguém. – o garoto olhou-a sério, de rabo de olho. Brittany deu um sorriso malicioso, envolvendo sua nuca com as mãos e colando o corpo no dele. – Você não esteve com nenhuma outra depois dela, não é? – o rapaz deu um suspiro impaciente, antes de sentir Brittany encostar a boca na sua.
Sentiu a língua da garota contornar seus lábios, os quais abriu logo em seguida, permitindo à sua encostar-se a dela. Brittany esboçou um sorriso, emaranhando os dedos em seus cabelos. O garoto desceu as duas mãos para sua cintura, apertando-as e fazendo a loira arfar. O beijo foi intensificando-se de pouco em pouco, até a menina enroscar sua perna na de Thur, que o quebrou, em seguida.
- Você é uma vagabunda, Britanny. – disse sombrio, contra seus lábios. Essa por sua vez desceu a mão até abaixo de seu quadril. – Não me provoque... Você não sabe do que eu sou capaz.
- Acredite... – sorriu maliciosamente. – Eu sei, sim.

Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 6:30 da tarde;

- Eu te admiro, Lu. – Duan disse estacionando o carro na porta da casa da garota, após uma longa e divertida conversa desde o colégio.
- Me admira? Essa é nova. – riu, tirando o cinto. – Por quê?
- Você parece tão tranqüila em meio a isso tudo. – escorou uma das mãos no volante, virando-se pra ela. Seu olhar espelhava interesse. – Mesmo as pessoas te olhando esquisito. Você parece não se intimidar nem se incomodar com a situação em que se encontra.
- Situação em que me encontro...?

- Hey, Lu. – o primo disse assistindo algum programa no sofá da sala. Lua adentrou a casa apressada, dando passos fortes e igualmente sentando-se no sofá azul. – Que cara é essa? – as sobrancelhas da garota estavam juntas. Estava nervosa.
- Eu quero saber a verdade, Rod. Agora. – sua voz era dura. – Por que as pessoas me olham torto? O que o Blanco tem a ver com elas, e mais importante, o que eu tenho a ver com isso? – o garoto engoliu a seco, percebendo que ela não estava pra brincadeira. Talvez realmente fosse a hora de contá-la. Protegê-la daquele jeito não estava dando certo. Mais cedo ou mais tarde ela suspeitaria...
- Lu... – suspirou. – Você por acaso já ouviu falar do caso... Ivane Whinsky?


Capítulo 7-

Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 6:47 da tarde;

- Você só pode estar de brincadeira. – Lua disse dando uma risada histérica, ao ver uma foto no Facebook de Melanie . – Rod , isso é brincadeira, não é?
Ambos estavam no aconchegante quarto de estudos da casa e olhavam com perplexidade a tela do computador. Rod estava sentado na cadeira enquanto Lu impulsionava o corpo um pouco para frente, numa tentativa de enxergar melhor. Seu coração estava um mais acelerado e garoto em um clima receoso um tanto mórbido.
- Bem que eu queria que fosse. – o primo suspirou pesadamente.
Na imagem estavam três garotas abraçadas com pompons e uniformes azuis de torcida. Estavam paradas em frente ao ginásio da Highgate e seus rostos se iluminavam pelo sol esbranquiçado do verão londrino. A primeira, Melanie , estava como se estivesse gargalhando de alguma coisa. A segunda: Sophia . Essa saiu falando, apesar disso, tinha conseguido ficar bonita. A última era... Lua? O que ela estava fazendo ali?
- Essa sou eu, Rod. – apontou. – Com o cabelo mais claro, lógico. Mas nada que um photoshop não crie.
- Aí que está a questão, Lu. – virou seu rosto pra ela, pesaroso. – Essa não é você.
- Deus. – caiu sentada na cadeira de balanço, levando a mão à boca. Como era possível que existisse alguém tão parecida? – E onde está essa garota? Ela se mudou?
- Chegamos à parte dura da história. – ele deu um pigarro, olhando-a seriamente. Lua arqueou as sobrancelhas percebendo o tom extremamente grave que o rapaz usava. Rodrigo permanecia com os olhos inseguros. Depois de um breve momento, respirou fundo e pronunciou baixo a frase. – Ela foi assassinada. Ano passado.
Lua engoliu a seco, olhando novamente a imagem no computador. Leu atentamente a legenda escrita por Melanie , com um aperto no peito:
“Sempre em nossos corações...”

Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 4:37 da tarde;

- Uf. – a garota de cabelos longos e escuros expirou, ofegante, dirigindo-se pro bebedouro atrás do ginásio à passos largos.
Diferentemente dos outros dias, aquele estava mais quente e ensolarado. Lua vestia o uniforme da educação física da Highgate: um mini-short de lycra preto e uma blusa larga.
Mal a educação física tinha começado e já estava inteiramente suada, o que era de se esperar já que a modalidade era corrida.
Virou levemente à direita quando chegou ao final do edifício, dando de cara com Thur utilizando o bebedouro.
- Oi. – disse aproximando-se com um sorriso simpático nos lábios. Ele vestia uma calça e blusa larga, ambas brancas, que tinham o desenho de uma águia azul: Eagles.
Arthur virou seus olhos foscos pros tênis brancos da garota, subindo para suas canelas finas, pernas, coxas, quadril, barriga, ombros, até por fim, chegar ao seu rosto.
- Não sabia que era do time de futebol. – ela abraçou os braços por traz do corpo. Ele permaneceu calado, encarando-a. – Poxa vida, Blanco . – irritou-se. - Claro que você não tem a obrigação de gostar de mim, mas pelo menos seja educado e responda alguma coisa que eu falo!
- Oi. – ele respondeu secamente, afastando-se do bebedouro. Lua bufou.
O rapaz continuou fitando-a com curiosidade e falsa indiferença.
- Ainda vai hoje, certo? – perguntou mal humorada, vendo-o virar de costas e se afastar. Aproximou-se ainda mais do bebedouro.
- Sobre isso. – olhou-a por cima dos ombros, estreitando um pouco mais os olhos de atirador. – Como vai embora?
- Quê? – Lu disse apertando um botão, fazendo com que a água saísse da máquina. – Eu vou pegar um táxi, oras. – ele deu um sorriso amarelo com a resposta.
- Audi preto. Depois do treino. Não se atrase. – pronunciou pausadamente. Virou a cabeça pra frente e continuou a andar, indo em direção à quadra de futebol.
Lu deixou os lábios se abrirem devagar, surpresa. Impressão dela ou o garoto tinha acabado de lhe oferecer uma carona?

Lua apoiou o pé em um banco, amarrando rapidamente o tênis no final do treino. Pegou seus pertences e seguiu em direção ao estacionamento da escola, fazendo o máximo pra não se atrasar.
Passou os olhos devagar por todos os carros, procurando ainda insegura pelo veículo preto. Depois de um momento, avistou o Audi estacionado e Arthur de braços cruzados e o joelho dobrado, encostado ao mesmo. O garoto estava com os cabelos suados e as bochechas mais rosadas, graças ao cansaço. Abaixou o queixo e observou-a se aproximar, como um predador quando avista a presa.
- Estou custando a acreditar que você vá mesmo me dar uma carona. - ela riu leve, deixando-o sem graça.
- Aproveite que hoje estou de bom humor. - Thur resmungou.
- Wow, sério? - Lu disse em tom de brincadeira, enquanto o rapaz destravava o carro e abria a porta pra ela. - Imagina quando você acorda com o pé esquerdo, então. - deu uma risada baixa.

- Olha lá o que eu estou vendo, Bennet. – Scott disse olhando pelo retrovisor da picape estacionada na garagem da escola. – Veja se não é o Blanco com a sua nova namoradinha. - fez uma pausa, analisando melhor o casal. - Coitada. – sorriu maliciosamente. O amigo fez o mesmo.

Lua tinha ficado impressionada com o fato dele resolver lhe dar uma carona. Ainda mais de ter aberto a porta pra ela.
O carro por dentro também era uma coisa que a impressionava – se por fora já não fosse o bastante. Estavam sentados havia já algum tempo sem conversar, enquanto Arthur dirigia pra casa branca da Oxford Street. Ela tinha passado o endereço. Era lá onde fariam o trabalho, sob o olhar cuidadoso de Rod .
A menina olhou o semblante sério do companheiro, ficando incomodada com o silêncio estabelecido entre os dois.
- Pode ligar o rádio? – Lu perguntou repentinamente. Thur sentiu um calor passar por seu corpo, ouvindo a sua voz. Consentiu sem pensar muito.
A última coisa que ele queria era pensar naquele momento. Se pensasse, comparações seriam inevitáveis, e a conclusão óbvia de que não eram a mesma pessoa também.
Lua ouviu o som da orquestra vinda do rádio, seguida pela voz do tenor. Estranhou a escolha musical, contendo um sorriso.
- Andrea Bocelli? – juntou as sobrancelhas. – Você gosta?
Blanco ficou alguns segundos em silêncio, depois respirou fundo para responder.
- As músicas passam sentimentos. – disse sem desviar o olhar da direção. - Gosto dos sentimentos transmitidos pelas músicas dele.
- Isso mostra que você é uma pessoa sensível. - ela sorriu.
- Claro que não. - Thur bufou, fazendo-a sorrir ainda mais.

Londres; Wimbledon; Quinta-feira; 5:23 da tarde;

- A senhorita tem certeza disso, Melanie ? – o médico perguntou-a sério.
Estavam em seu consultório branco, com cadeiras em tons claros de azul. O médico estava sentado do outro lado da mesa de madeira, de frente para o casal.
- Sim, senhor. Eu ando tendo uns flashbacks esses dias e não sei por quê. – Mel colocou as mãos entre as pernas, nervosa. Pentéls observou seu ato, sentado na cadeira ao lado.
- Talvez alguma coisa tenha forçado essas memórias. Algum lugar, ou alguém... – o homem coçou o queixo, analisando-a através dos óculos finos que o davam maior ar profissional.
- Mas os dois foram em momentos tão distintos que eu não saberia dizer... - a garota disse confusa, consultando o namorado com o olhar. Esse apresentava a mesma expressão desentendida.

Londres; Oxford Street; Quinta-feira; 5:24 da tarde;

- Ok, Rod . – Lua disse batendo as mãos na mesinha da sala da casa. Ela e Thur estavam sentados no chão, de costas para o sofá azul. – O que você quer? Já é a terceira vez que passa aqui.
Estavam há algum tempo mergulhados em livros para escrever sua própria versão da biografia de Shakespeare, mas mal tinha concluído a primeira linha. Ambos se sentiam desconfortáveis perto do outro e mais desconfortáveis ainda por chegarem a essa conclusão. Ela o inspirava medo e ele a inspirava curiosidade. Em contra partida, a única coisa que aquela situação inspirava a Rod era ansiedade. Ansiedade para ver o visitante longe dali.
- Nada. Só pra ver se está indo tudo bem. – lançou um olhar pouco amigável pro outro rapaz.
- Está tudo bem, agora com licença. Você está nos distraindo. – Lu disse o óbvio. O primo deu uma nova olhada no garoto, antes de se virar de costas e subir as escadas. – Me desculpe por isso. Rod é do tipo “super-protetor”. – bufou, apoiando novamente os cotovelos nos cadernos.
Thur observou de soslaio o aspecto irritado da menina.
- Ele está certo, se quer saber. - falou inflexível.
- Não está. – olhou-o como se estivesse ofendida. – Mica contou que você ofereceu seu carro por ele... Foi muito gentil de sua parte.
- Isso não quer dizer nada sobre mim.
- Mais do que você imagina. – o celular do garoto tocou assim que ela terminou a frase. Ela o observou curiosa.
- Com licença. – disse pra garota, tirando o aparelho do bolso e colocando no ouvido. – Alô?
- Dude, como assim você pega a Brittany de jeito e depois dispensa? – o loiro falou do outro lado da linha. Lua arqueou as sobrancelhas, como se tivesse ouvido o conteúdo da conversa. Thur se incomodou com isso.
- Ela me dá dor de cabeça. – sussurrou de volta.
- Que papo de mulher na TPM. - o outro retrucou.
- Sério, Duan, não posso falar agora. Me liga depois, ok? Tchau. – desligou o telefone sem cerimônias.
- Duan? – Lu perguntou confusa. – Não sabia que eram amigos. - voltou a rabiscar o canto da folha, fingindo desinteresse.
- Melhores amigos desde a infância. – respondeu balançando os ombros de leve. – Onde estávamos? - procurou mudar de assunto.
- No título. – ela suspirou, ainda que sorrisse fraco.
- Sinto muito. Não sou bom com biografias.
- Biografias são chatas mesmo. Vai melhorar quando chegarmos às obras. – apoiou o queixo na mão, incomodada. Ficaram alguns segundos em silêncio... Tempo o bastante para ela ponderar sobre um assunto. – Quem é Brittany? – perguntou de repente, fazendo o coração do garoto acelerar. – É sua namorada?
Arthur respirou fundo, logo substituindo sua expressão de surpresa pela mais séria de sempre.
- Você ouviu. – ele concluiu, comprimindo os lábios.
- Duan fala alto demais. – Lua riu baixo, apesar de não ver humor.
- A Britanny é ninguém. – respondeu, ressaltando a última palavra.
- Só mais uma dor de cabeça? – Lu perguntou, fazendo-o virar os olhos frios em sua direção. Ela pensou um pouco. – Eu sou uma dor de cabeça, Arthur ? – ‘A maior das dores de cabeça.’ Ele pensou, apesar de não exteriorizar.
A garota esperou pela resposta o fitando nos olhos. Depois de um breve silêncio, compreendeu confirmação e sentiu um aperto no peito, como uma angústia desnecessária. Sentiu-se tola por isso.
- Vamos continuar o trabalho. - ele decretou, desconfortável.

Londres; Mark’s; Quinta-feira; 7:03 da noite;

- Uma cerveja aí, Bob. – Mica disse chegando ao balcão.
Como era de costume, o Mark’s estava cheio. Cheio de pessoas bêbadas que se animavam à toa com qualquer coisa. Micael precisava daquela folga. Precisava molhar a garganta.
Passou os olhos lentamente por todos, já recebendo a garrafinha aberta e bebendo-a no bico. Pessoas desconhecidas, punks, hippies, alguns boyzinhos da Highgate no fundo. ‘Boyzinhos do time de natação’, cuspiu com o pensamento. Seus olhos passaram por cada um deles, arregalando-se por fim, no que estava mais no canto. Deixou o queixo cair. ‘A oportunidade enfim, tinha chegado.’

Londres; Greenwich; Quinta-feira; 7:08 da noite;

- Droga. – Sophia disse irritada, sentada em sua cama.
- Algum problema, Soph ? – Melanie perguntou sentando-se na cama ao lado, com um pijama curto. – Pentéls acabou de ir embora.
- Ethan não atende ao telefone.
- Relaxa. Ele sempre se esquece de atender ao telefone. Você sabe disso.
- Eu sei, mas eu...
- O que foi? É urgente? – colocou os cabelos pra traz da orelha, analisando a amiga em seu pijama amarelo.
- Não. Eu só queria saber onde ele está. – balançou os ombros. – Eu queria que ele atendesse prontamente quando eu o chamo...
- Como o Mica fazia? – Melanie arqueou uma sobrancelha, sugestiva.
- Chega de Mica , Mel . – disse impaciente. – Vamos pra cozinha, quero tomar um iogurte.
- Cuidado, hein? Vai virar uma bola. – levantou-se juntamente com ela. – Ah, e se quiser o de morango, eu já tomei.
- Olha quem fala! – a menina riu, antes de sair do quarto.

Londres; Oxford Street; Quinta-feira; 7:11 da noite;

Após algum tempo concentrados no trabalho e por fim, tendo êxito na biografia, Arthur achou que seria melhor que fosse embora. Ainda mais com a frieza repentina da parceira... O que tinha dado nela? Perguntava-se insistentemente, sem cogitar um motivo consistente.
Afinal... Por que mesmo ele se importava? Era outra questão sem resposta.
- Então acho que é isso aí. – Thur disse se colocando pra fora da porta, assim que Lua a abriu para ele.
- É. – disse inexpressiva, encostando-se no batente.
- Obrigado pelo lanche. – parou de frente pra garota, analisando-a novamente à procura de qualquer sinal sobre o motivo de sua irritação.
- De nada. – encarava-o séria. Ele ficou parado, sem saber o que interpretar disso.
- Eu... Já vou indo. – não era a hora dela falar alguma coisa sem sentido e dar um sorriso encantador?
- Tchau.
- Até amanhã, então. - sentia-se extremamente ferido pela sua indiferença.
- Até. - ela falou impaciente.
- Boa noite.
- Arthur , você vai ou não? – Lu arqueou uma das sobrancelhas.
- Não... Er... Vou. – colocou as mãos nos bolsos. – Pode me chamar de Thur . – suspirou, olhando pra baixo.
'Pode me chamar de Thur ? Porra, Blanco ! Você pode fazer melhor! Pensou consigo mesmo.
- Ok, Thur . Boa noite. - ela disse dando o melhor sorriso que conseguia, observando o rapaz enfim dar de costas em direção ao carro. Mas tudo bem, afinal, ela era só mais uma dor de cabeça, certo?

Londres; Dockland; Quinta-feira; 11:31 da noite;

-“Deixe vir o que me aguarda.” William Shakespeare. – Thur disse colocando o livro no peito e dando um longo suspiro enquanto mirava o teto. – E o que me aguarda, Spike? – o cachorro o olhou desentendido, depois bocejou.



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