05 abril, 2013

Gossip Boys - 19° capítulo



- Perdidos


Lua fala:

- Bom... – murmurei, sentindo-me envergonhada. Thur estava ao meu lado, e eu travava uma luta interna para saber se estava com raiva das suas insinuações ou se sentia carinho por ele estar com ciúmes.
Ele suspirou, uma mistura de indiferença com desdém, e eu decidi que a raiva ganhara a batalha. E por seu tom de voz ao falar: “Falou, Ben. Estou te esperando com os outros, maninha...” percebi que ele também estava puto comigo.
Todo mundo puto, iupi!
- Bom... – Ben repetiu, quando Thur se afastou. Mas, diferente do que pensei que sentiria, ao vê-lo se afastar, eu não fiquei mais animada e me despedi alegremente de Ben. Pelo contrário. Meu coração deu uma cambalhota dentro do peito e uma súbita timidez me invadiu por completo. Estivera conversando por várias horas com Ben no avião, enquanto Thur fingia dormir, e agora, depois de pousarmos e estarmos no saguão do aeroporto, é que eu decidi levar em consideração suas acusações.
Muito bom, Lua, é assim que se faz!
Realmente, às vezes eu era uma completa vaca.
- E aí, quer me encontrar por aí? – ele perguntou, como se fosse normal dois entrangeiros, que não conheciam o país, combinarem de se encontrar “por aí”.
- Pode ser, claro. – respondi, mais por educação do que por vontade. Agora que Thur se fora, todo o brilho de Ben havia, de certo modo, desaparecido. – Me passa seu celular.
Ben tirou um V8 do bolso e, antes de passar seu número, anotou o meu.
- Nos vemos por aí, então. – disse, inclinando-me para beijá-lo no rosto. Seus lábios pousaram ao lado dos meus – o famoso beijo no canto da boca – e eu pude sentir o perfume Armani irradiar de seu pescoço, enquando seu hálito de menta e Malboro Light roçava em meu rosto.
Ok, acho que ele não tinha perdido todo o brilho afinal.
Ah, dá uma trégua! Vai me dizer que você, mesmo namorando, não baba pelo Edward-cara-de-assustado?
- Até mais, Lu! – ele gritou, andando de costas e acenando para mim. Virou-se e atravessou o saguão com sua mala preta e discreta, até desaparecer completamente.
- Até. – murmurei para mim mesma, sabendo que ele não poderia mais ouvir. De repente, um arrependimento por te deixando Thur tão enciumado me dominou por completo.
Engraçado como os sentimentos que eu sentia no momento sempre acabavam me dominando.
Mas acho que, no fundo, eu só fiquei a viagem inteira conversando com Ben não porque ele era bonito – claro, isso ajudou muito – mas sim porque Thur não se sentia seguro comigo, e isso, mais do que tudo, me magoava. E eu precisava, de algum jeito, me vingar.
Resumindo: pirraça.
Mas pelo menos eu admitia aquilo. E admitia que teria que ser um amor com Thur para ele me perdoar. Ou será que ele estava com o mesmo sentimento de culpa que eu e esperava que eu o perdoasse também?
Meu olhar vagou sem rumo pelo aeroporto, lotado de pessoas de todos os lugares do mundo, até que eu localizei meus amigos no meio da multidão.
Não era difícil.
Harry era visível em qualquer tipo de multidão com aquele tamanho todo. Melanie estava sempre pulando, o que não era difícil de se perceber também. Aline e Sophia riam histericamente e todos podiam ouvir, mesmo estando a alguns quilômetros de distância. Micael e Chay gritavam um com o outro para saber quem iria jogar Pokémon Gold no GameBoy [N/A: Dos tempos da brilhantina essa, eim?] de Harry e Thur estava praticamente jogando todo o conteúdo de dentro da mala no chão, aparentemente procurando por algo.
É. Eles eram bem fáceis de se achar. - Xúxú da minha marmita! Halls da minha balada! Vodka da minha fossa! Descarga da minha privada! Desinfetante da minha pia! – Melanie ia gritando a plenos pulmões e andando em minha direção com os braços abertos, chamando a atenção de todos que passavam por ali.
- Nossa, Mel, sentiu minha falta, eim? – perguntei, ao ser envolvida por seus braços apertados. Ela fungou em meu pescoço e respondeu, baixinho, em meu ouvido:
- Qualquer coisa pra me tirar do lado daquele troglodita do Suede.
- Obrigado. Agora eu me sinto muito melhor. – respondi, virando os olhos. Ela me soltou e nós duas começamos a rir ao mesmo tempo.
- E aí, Lu, como foi a viagem com o dedos-mágicos de Aguiar? – Sophia perguntou, se juntando a nós duas com Aline.
- Ah, vocês sabem... – olhei com o canto dos olhos para ele, que agora socava tudo que tinha tirado da mala de volta. – Irritante... – me perdi nos músculos dos seus braços, que trabalhavam por sua blusa de frio para colocar tudo o que havia jogado no chão na mala. Jesus me chicoteia... – Ah! – lembrei-me repentinamente de Ben, ao pensar em Jesus me chicoteando. – Conheci um menino MUITO gato. Ben Tiller.
- Ben Tiller, filho de Joseph Tiller, repetente do terceiro ano da nossa escola? – Aline se interessou na conversa. – Esse Ben Tiller?
- Nossa! Esse é meu Umpalumpa! – disse, abraçando-a pelos ombros. – É esse Ben mesmo! – exclamei, sorrindo de orelha a orelha. Sabia que conhecia ele de algum lugar. – Como você armazena essas informações, Nine?
- Fazer o quê... – Aline deu de ombros. – Eu sou foda.
- Espera aí, esse é aquele que só vai pra escola uma vez na vida e outra na morte? – Melanie perguntou, estranhando.
- E que comeu Lee Mendes no armário de limpeza! – Sophia nos lembrou.
- Que clichê... – nós quatro suspiramos ao mesmo tempo.
Tentei me lembrar de alguma vez ter cruzado com Ben pelos corredores. Não me ocorreu nada. As únicas coisas que eu sabia sobre ele eu descobri pelas fofocas. Para mim, ele era um playboyzinho que só ia para escola comer as menininhas.
Hum. Em parte...
- Acho que ele é a única pessoa que não lê o Conte Seu Babado. – comentei.
- Por quê? – Melanie perguntou.
- Ele não me reconheceu. E só sabia que Thur era do McFLY porque sua irmãzinha gosta. Não disse nada sobre a escola, em nenhum momento...
- Claro! Acho que esse ano ele foi à escola, o que, umas 10 vezes? – Sophia analisou. – E quando aparece, é para fazer nada.
- Fiquei sabendo que sua última vítima foi Katy Springs! – Melanie fofocou, não se controlando.
- ... A eterna peituda! – nós quatro exclamamos e caímos na risada.
Até aquele momento, havia esquecido da presença dos meninos ali. Eles se juntaram no clube do Bolinha e nós, meninas, seres superiores, nos juntamos no clube da Luluzinha.
Então eu meio que não achei engraçado quando todos riram do meu pulinho de assustada quando Chay gritou “meninas!” e apertou minha barriga.
- Ha ha ha. Que engraçado! – ironizei, dando um tapa em Micael, que era o que mais ria.
- Hey! Eu sou só uma vítima! – ele se defendeu, ainda rindo.
- Certo, quem está com o mapa? – Thur perguntou, saíndo do seu casulo de silêncio.
- Eu! Eu! – Maker arfou, feliz por sentir-se prestativo. Ou simplesmente por ser o centro das atenções.
- Aparecido... – Aline murmurou, olhando para Maker com aquela cara de nojo que só ela conseguia fazer.
“Nota mental, pedir para Aline me ensinar a fazer essa cara.”
- Não começa com chilique, Nine! – Melanie sussurrou, apertando sua barriga.
Essa era uma das nossas táticas infalíveis de nos acalmar. Apertar gordurinhas.
- Certo, vamos logo, pelo menos o dono do mapa vai prestar para alguma coisa. – ela murmurou novamente, com a voz ácida. Maker ficou vermelho da raiz do cabelo até o pescoço e sussurrou para ele mesmo:
- Piranha.
- O que você disse, Harold? – ela perguntou, levantando a sobrancelha de um jeito assassino. Maker sorriu com desdém e respondeu:
- Picanha, Aline. Picanha...
- Mais um dia e eu mato esse moleque. – ela piou, passando por mim e seguindo com passos firmes até a porta automática do aeroporto. Nós a seguimos e nos deparamos com o céu já escuro e várias estrelas brilhando no alto dele. Ao vê-las, senti uma vontade absurda de abraçar Thur, que as olhava com admiração.
- Nossa... – Sophia suspirou, olhando para a Lua cheia, amarela e gigante, que brilhava mais que todas as estrelas juntas. – Que lindo.
- Lindo mesmo... – Micael concordou, parando ao seu lado. Os dois se olharam e sorriram, mas Melanie, a mais nazista na operação ignorar-namorados-tarados, pigarreou e Sophia se afastou, provavelmente para não cair em tentação.
- Concentre-se, Soph! – ela sussurrou, baixinho, e Sophia sorriu, olhando para mim e dando de ombros.
Ficamos um pouco em silêncio, observando o majestoso céu acima de nós. Fazia frio, mas nós já estávamos prevenidos, com grossos blusões e luvas. Coloquei meu gorro vermelho sangue e sorri ao ver que Thur também havia colocado o seu, verde-limão.
Chamativo? Magina!
Aos poucos, fomos nos juntando, como sempre acontecia no final. Mesmo com todos os problemas, sabíamos que sempre poderíamos contar um com o outro. Melanie, ao meu lado, pegou minha mão e Aline me abraçou pelo outro lado. Sophia sorriu para mim e os meninos continuaram a olhar para o céu ébano. Um vento forte soprou por nós, balançando todos os cabelos, e Thur finalmente falou, interrompendo:
- Ok, acho que aquilo é um táxi. – apontou para dois carros parados, amarelos com faixas pretas e plaquinhas brancas com TÁXI escrito em preto, onde seus motoristas conversavam animadamente alguma coisa que eu tentei, mas não consegui entender.
- Que gênio! – Micael ironizou, virando os olhos.
- Ah, desculpa aí senhor eu-sei-a-cor-dos-táxis-fora-do-meu-país! – Thur brincou, bagunçando o cabelo de Micael, que mostrou a língua para ele, como uma criança mimada.
- Acho que ele só sabe disso porque tem uma plaquinha em cima do carro escrito Táxi, Thur. Se não fosse por isso... – Sophia disse, e todos nós rimos, menos Micael, que fechou a cara e voltou a jogar seu GameBoy.
Caminhamos com os braços em volta do corpo até os dois taxistas. Eles se viraram para nós e nos cumprimentaram em espanhol. Aline, que tinha alguma noção da língua, começou a conversar com eles, que assentiam com a cabeça e de vez em quando falavam algo incompreendível. Olhei para Thur com o canto dos olhos e ele ainda se recusava a me olhar. Na verdade, ele se recusava a ficar perto de mim, porque estava do outro lado, ainda olhando para as estrelas.
- Ok, gente, eles sabem onde nossa casa fica e vão nos levar até lá. – Aline explicou, enquanto os motoristas colocavam nossas malas nos carros. Os meninos entraram no primeiro táxi e as meninas no segundo.
O carro corria por uma avenida larga e, mesmo com minha super mega hiper blusa, eu sentia um frio esquisito cutucar minha espinha e me arrepiar inteira.
Ficamos em silêncio, sem ter muito o que falar. Aline foi na frente, para o caso de precisarmos de uma tradutora. Atrás, Sophia ouvia música, Melanie tirava o esmalte da unha e eu olhava pela janela.
Não sei quanto tempo ficamos dentro do carro. Para mim, foram mais do que duas horas. Meu corpo inteiro doía e eu estava morrendo de vontade de me jogar na cama e dormir. Olhava para os lados e via na expressão de cansaço das meninas que elas estavam pensando o mesmo.
- Aline, falta muito? – perguntei, cutucando seu ombro. Ele repetiu a pergunta em espanhol e o motorista respondeu alguma coisa monossilábica.
- Não, estamos pertinho. – ela disse, sorrindo para mim.
Encostei-me de volta no banco e deixei minha cabeça cair no ombro de Sophia.
Adormeci.
Fui acordada por Aline, que me chacoalhava carinhosamente. Abri os olhos e olhei para o lado de fora da janela do carro. Ele estava parado em frente a uma casa de madeira antiga e que dava a impressão de estar abandonada há, pelo menos, uns 100 anos. O mato cobria praticamente toda a entrada e as janelas estavam cobertas por jornais amarelados. A única luz que conseguia ver era de um poste caindo aos pedaços, do outro lado da rua. Pisquei algumas vezes e levantei minha cabeça. Não estava sonhando.
- Hm... É aqui? – perguntei, mordendo meu lábio inferior.
- Acho que não. O motorista disse que pelo endereço que demos, é. Mas deve haver algum engano... – Aline refletiu, mais consigo mesma do que comigo. – Os meninos disseram que a foto da casa não tem nada a ver com essa!
- Eu estou com tanto sono que dormiria na rua! – Melanie reclamou, piscando os olhos sonolentos.
Abri minha porta e saí. Lá fora, os motoristas falavam vagarosamente, como se falassem com crianças, e os meninos lutavam para entender alguma coisa.
- É. Aqui! – um deles falou, apontando para a casa.
- Não! Não é! – Maker imitava-o, fazendo gestos e caretas.
- Mim Tarzan, vocês taxistas! – Sophia disse ao meu lado e nós quatro caímos na risada.
De repente, um dos motoristas entrou no carro e o outro começou a falar alguma coisa rapidamente, do jeito que nem Aline entendeu. E, em um piscar de olhos, os dois partiram pela rua deserta, espalhando a poeira do chão.
Ficamos todos paralisados, ouvindo o barulho de carro diminuír aos poucos. Em pouco menos de 15 segundos, só ouvíamos o barulho dos morcegos. E a única luz que iluminava a rua se apagou. Dei um grito e abracei a primeira pessoa que vi.

Thur fala:

- Lua, relaxa, não vai acontecer nada! – eu reclamei, tentando ao máximo ser rude com ela. Não porque eu gostaria, mas porque nossos amigos estavam todos ali, vendo – ou quase isso – aquela cena. – É só falta de luz. Só isso.
Ela gemeu e enfiou a cabeça no meu peito.
“Ah, foda-se!”, pensei, afagando seus cabelos.
- Ok, acho melhor entrar. Pior do que isso não fica. – Micael sugeriu. Ao fundo, ouvimos um trovão.
- Muito obrigado, Micael. – Maker ironizou, pegando duas malas no chão. Chay imitou seu gesto e Micael também. Quando fui pegar as duas malas restantes, Melanie e Sophia me impediram, pegando-as antes de mim.
- Tudo bem, você é o mais forte, só a mala da Lu tá bom. – Melanie disse, apontando para ela, que estava grudada em mim como um gato assustado.
Achei engraçado pensar naquilo. “Como um gato assustado” era exatamente o que ela estava parecendo. Uma gatinha.
Ai meu Deus, eu tenho que parar de escrever essas veadices aqui...
Puxei Lua pelo caminho inteiro. Ela andava de olhos fechados, o que me deu mais trabalho ainda.
Não que eu ligasse por ela estar ali. Ao contrário, era muito gostoso sentir seu perfume perto de mim depois da briga de mais cedo. Se é que aquilo poderia ser chamado de briga. Se pode, era mais como uma guerra fria. Eu sabia o que ela estava pensando e ela, com certeza, sabia o que eu estava pensando. Mas nenhum dos dois estava dando o braço a torcer.
Quando dei por mim, todos os outros haviam entrado e eu ainda estava lutando para que ela subisse as escadas de olhos fechados.
- Ok, Lua, você podia abrir os olhos só pra subir as escadas? Eu sou forte mas não sou dois! – pedi, parando para respirar. Ela abriu um olho, depois o outro, receosa. – Não tem nenhum fantasma, pode ficar tranqüila.
- Hm... – ela gemeu ao olhar em volta e fechou os olhos novamente. Ri comigo mesmo, pois sabia que, em condições reais, ela me mandaria tomar no cu.
- Ok, ok... – disse, para mim mesmo. – Eu consigo isso.
De súbito, tive um idéia. Peguei Lua pelas duas pernas e a coloquei no ombro, como se fosse uma mochila. Ela deu um grito abafado e afundou a cabeça nas minhas costas. Segurei-a muito bem – pela, hm, bunda – e continuei a subir as escadas, agora com muito mais facilidade. Ela não reclamou, não gritou e muito menos pediu que eu a colocasse no chão.
Acho que aquele medo de escuro era realmente verdadeiro.
Cheguei na porta e a coloquei no chão. Mais uma vez ela se agarrou a mim e eu a envolvi pelos ombros. Andávamos em câmera lenta porque ela arrastava os pés e tropeçava de cinco em cinco segundos.
- Sério, Lua, se você abrisse os olhos as coisas ficariam muito melhores e você estaria no claro mais rápido! – argumentei, e ela parou de andar. Soltou-se da minha blusa, deu um passo a frente, abriu os olhos de uma vez e ficou reta, olhando em volta. – Lua? – chamei, me aproximando. Ela continuou estática. De repente, uma vontade de confortá-la se instalou em mim, e eu encostei meu corpo junto ao dela, sussurrando em seu ouvido: - Viu só. Você não tem nada com que se preocupar.
Ela respirou pesadamente e voltou a andar.
Pelo jeito ainda estava brava comigo.
Fui atrás dela, e, de vez em quando, tinha que empurrá-la, pois ela “empacava” nos lugares.
Ouvi vozes vindas lá de cima e um pequeno feixe de luz. Ao ver a luz, Lua suspirou, aliviada, e subiu as escadas correndo. Quando cheguei lá, alguns segundos depois, ela estava jogada na cama, de barriga para baixo, com a cara enfiada no travesseiro.
- Bom trabalho, Thur. – Sophia ironizou, virando os olhos. – Você sabe como ela fica no escuro!
- Eu tentei... – dei de ombros e me sentei.
- Parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui, seus merdas! – ela falou pelo travesseiro, com a voz abafada.
- Certo, a casa tem quatro quartos com duas camas de solteiro em cada um. – Maker ia explicando. – Podemos nos dividir ou colocar todos os colchões aqui, vocês que sabem, e...
- Pera aí! – Sophia o interrompeu. – Nós vamos mesmo passar a noite... Aqui?
- Tem outra idéia? – Micael perguntou, visivelmente irritado com ela. – Nossos celulares estão sem sinal – peguei meu celular no bolso e tive que concordar –, está escuro e tarde, essa rua é deserta, está a maior chuva lá fora e, não sei se você percebeu, mas nós não temos a mínima idéia de onde estamos. Se você quer passar a noite na rua, à vontade.
E aquela foi a primeira vez em que vi Micael bravo.
Todos nós olhamos para ele, que respirava fundo e pausadamente. Depois olhamos para Sophia e vimos seus olhos se encherem de lágrimas. Ela se levantou e saiu do quarto, levando sua mala atrás.
- Soph, espera aí, eu... – Micael tentou dizer, mostrando para todos que havia se arrependido de agir daquele jeito pela expressão em seu rosto. Mas ela já havia passado pela porta e batido em sua cara. – Caralho... – ele sussurrou consigo mesmo e voltou para a cadeira onde estava sentando, emburrado.
- Hm, certo... – Chay disse, tentando acabar com o silêncio que se instalara.
- Eu tô com fome. – Aline disse, do nada, e sua barriga roncou.
- Eu também. – lembrei-me que não tinha comido a comida do avião porque, toda vez que ouvia aquele Ben dar em cima de Lua, meu estômago se revirava de raiva. – Não comi no avião.
- Ótimo. Simplesmente ÓTIMO! – Melanie reclamou, parando de andar pelo quarto. – Estamos perdidos, sem comida, sem comunicação e brigando como idiotas. Será que duramos até amanhã ou vamos nos matar aqui mesmo?
O silêncio invadiu o quarto novamente.
- Ótimo, se vocês não tem nada para falar, eu vou atrás de Sophia. – ela decidiu, saindo pela porta e a batendo, assim como Sophia fizera.
- Acho que temos muitas meninas na TPM por aqui... – Chay tentou brincar, mas não havia clima para isso.
Olhei em volta, pela primeira vez.
O piso do quarto era feito de madeira, que rangiam ao sentir qualquer movimento, dando a impressão de que iriam quebrar a qualquer momento. As paredes, antigamente brancas, agora estavam descascando e fediam a mofo. As duas camas de solteiro eram cobertas por um lençol bege e todo rasgado. Um armário de madeira estava encostado no fundo do quarto, e, como conseguia ver pelas portas abertas, só tinha dois cobertores marrons dentro. Duas cadeiras de madeira estavam agora no meio do quarto e só. Mais nada. O quarto era isso.
- Dude, esse lugar fede. – disse, desligado.
- Nós precisamos sair daqui. Logo. – Aline concordou.
- Ok, eu e Chay vamos dormir no quarto ao lado. – Micael disse, pegando sua mala no chão. – Sophia e Melanie provavelmente vão dormir juntas. Então, dividam-se e... Até amanhã.
- Se nós sobrevivermos! – Maker comentou, enquanto os dois saíram pela porta.
Nós três – menos Lua, que ainda estava com a cabeça afundada em seu travesseiro verde-limão – nos entreolhamos. Pelo menos o clima já estava melhor.
- Lu, já está melhor? – Aline perguntou, carinhosamente, passando a mão pelos cabelos dela, que somente concordou com a cabeça. – Ótimo, então vamos para o outro quarto? Maker e Thur vão dormir aqui.
Maker deu de ombros, com uma cara esquisita, e eu repeti seu gesto.
Lua se levantou e pegou a mala no chão. Passou por mim sem olhar para minha cara, e Aline foi atrás, lançando um olhar vago para Maker. As duas passaram pela porta e a fecharam. Olhei para Maker.
- Dude... – comecei, mas ele, em apenas uma palavra, resumiu toda a nossa situação. - Fodeu!

Lua fala:

Não me lembro, em toda minha vida, de passar uma noite tão ruim, como passei aquela.
Primeiro – e ela vai me matar por estar contando isso –, Aline ronca. MUITO!
Segundo, o quarto parecia uma lareira de tão abafado.
Terceiro, a cama era dura, nojenta e fedia mofo.
Quarto, fiquei a noite inteira ouvindo rangidos de madeira e o barulho assustador da chuva lá fora.
Quinto, acho que o sótão estava infestado de ratos, porque ouvi barulhinhos irritantes a noite inteira.
E sexto, e não menos importante – pode parecer idiota, mas era a mais pura verdade –, Thur não estava lá.
Agora você pensa: “Certo, mas até vocês se conheceram, Thur nunca esteve lá!”
Agora eu te respondo: É. Eu também não sei como aquilo havia acontecido, mas dormir sem Thur por perto, ou ao menos dormir sabendo que nós não estávamos tão bem quanto eu gostaria, não era nada divertido. Ao contrário, era a pior coisa do mundo.
Minha cabeça não parou um minuto. Eu tentava imaginar o porquê de ele ser tão inseguro, o porquê de eu ficar de papo com um completo estranho, o porquê de ele ser tão cabeça dura... Resumindo: o porquê de tudo. Minha noite se resumiu a roncos e porquês.
Ele girava em meus pensamentos e eu não conseguia, de jeito nenhum, dormir, sabendo que no dia seguinte ele não estaria lá. Sabendo que ele não me daria um beijo de bom dia, ou mesmo um olhar de cumplicidade.
O Sol começou a subir rápido demais. Quando dei por mim, ele estava clareando todo o quarto e eu não tinha dormindo absolutamente nada, mesmo morrendo de sono.
- Aline? – chacoalhei-a de leve. Ela abriu os olhos e se espreguiçou. – Dormiu bem?
- Não. E você tá horrível. – ela respondeu, com aquele jeito sutil de ser.
- É, eu não dormi nada... – confirmei, procurando alguma roupa grossa na minha mala. O Sol brilhava lá fora, mas fazia muito frio. – E com você roncando não ajudou muito...
- Você sabe que eu tenho desvio de septo! – ela exclamou, procurando algo em sua mala. – Quem mandou dormir comigo?
- E eu tive escolha? – perguntei, e fui atingida por uma calcinha na cabeça. – Ok, ok, desculpa.
Nos vestimos em silêncio.
Esse era um dos motivos por nós sermos tão amigas. Sabíamos nossos limites e éramos sempre sinceras. Pra falar a verdade, eu tive muitas colegas durante minha vida, a, às vezes, eu deixava as meninas de lado por uma amizade repentina, mas sempre acabava voltando para elas, como se minha vida não fosse completa sem nossas risadas e conselhos.
Coloquei minha calça jeans mais surrada e uma baby look vermelha. Por cima, um blusão da Gap e uma jaqueta esquenta-tudo. Calcei meus Adidas e esperei Aline terminar de se vestir. Quando acabou, saímos do quarto. No corredor, Sophia e Melanie já estavam prontas, esperando por nós duas.
- Eu e Sophia vamos acordar Maker e Thur. – Melanie nos comunicou, ainda de mau humor. – Vocês podem acordar os outros dois? – ela pediu, se obrigando a falar “outros dois”.
- Claro.
Trocamos de lado pelo corredor, e eu ouvi alguns roncos de estômago, e pude jurar que um deles era o meu próprio. Abri a porta lentamente e fiquei aliviada ao ver que os dois já estavam acordados, vestidos e operantes.
Porque eu sei que gostaria de vê-los sem roupa.
Ai meu Deus, como eu sou pervertida!
Que Melanie e Sophia não leiam isso.
- Ah, glória Deus! – Micael suspirou, aliviado. – Pensei que teríamos que acordar vocês!
- Na verdade, foi isso que nós viemos fazer... – disse, sentando-me ao seu lado. Ele me deu um beijo na bochecha de bom dia e Chay deu um em Aline, que sentou-se ao seu lado.
- Hm, a Sophia ainda... – Micael tentou dizer, mas foi cortado por Aline.
- Sim. E é melhor você pedir desculpas a ela porque eu não quero ficar uma semana ao lado de um casal em guerra.
Eles ficaram conversando sobre Micael e Sophia e eu me perdi em pensamentos, já me acostumando àquilo.
Thur estava a menos de dois quartos de mim. Eu bem que poderia ir até lá e pedir desculpas, não é? Pedir desculpas não iria me matar. Eu até poderia admitir que eu era a errada pra ele me perdoar.
Ouvimos duas batidas na porta e logo em seguida, Maker  Melanie e Sophia entraram no quarto. Thur não estava com eles.
- E aí, cambada! – Maker exclamou, animado.
- E aí, amor, dormiu bem? – Chay perguntou, se levantando para dar um beijo nele de bom dia. Maker o empurrou e Chay caiu na cama, rindo. Sophia e Melanie sentaram-se ao meu lado, um pouco mais bem humoradas.
- Cadê o Thur? – Micael perguntou, e eu fiquei com medo de ele estar lendo meus pensamentos. Mas ele não olhava para mim, então eu descartei essa opção.
- Desceu, foi procurar sinal com o celular. – Maker respondeu.
Então Thur estava sozinho. Aquela poderia ser uma das únicas oportunidades que eu teria.
- Acho que eu vou fazer o mesmo. – disse, antes de sair em disparada pelo quarto.

Thur fala:

Saí daquela casa antes de enlouquecer. Sério, aquele cheiro de mofo, aquela tensão no ar e Lua no quarto ao lado não faziam nada bem à minha sanidade mental.
Meu celular ainda não estava pegando, então eu decidi ignorá-lo e me sentei no meio fio da calçada. Peguei uma pedrinha no chão e comecei a jogar para cima e para baixo, perdido em pensamentos. Pela primeira vez, o foco deles não era Lua, e sim o CD, que quando voltássemos da Argentina, teríamos que gravar.
Mas não foi surpresa quando senti duas mãos geladas e pequenas no meu rosto, cobrindo meus olhos. Eu poderia não estar pensando nela, mas, de algum modo que nem eu conseguia explicar, ela sempre estava lá, em meu subconsciente.
- Adivinha quem é? – ela perguntou, com sua voz doce, em meu ouvido. Um arrepio percorreu meu corpo.
- Eu sei que é você, Lua. – disse, retirando suas mãos do meu rosto com certo desprezo, mas, ao mesmo tempo, com carinho. – Eu reconheceria essas mãos em qualquer lugar.
Ela riu e se sentou ao meu lado. Pegou uma pedrinha no chão e começou a desenhar na rua. Olhei para o outro lado e fiquei observando as nuvens, que formavam desenhos irreconhecíveis no céu.
- Você ainda tá bravo? – ela perguntou, de súbito, como se estivesse tomando coragem para perguntar aquilo. – Tipo, com o negócio do menino do avião.
Parei para pensar.
É, eu estava, sim.
- Mais ou menos... – comecei com cautela, para não assustá-la. Sabe como é, ela não deveria estar acostumada com garotos idiotas pegando em seu pé por ciúmes.
Ela continuava a desenhar no chão e eu me desliguei, viajando em seus cabelos. Eles estavam desgrenhados e caíam de qualquer jeito em suas costas.
Lindos.
- Você sabe que eu não tive a intenção... – ela disse, baixinho, mais como se fizesse um comentário. – Por que não confia em mim?
Essa pergunta me atingiu em cheio.
Eu não sabia o porquê de toda a insegurança.
- E-eu... – gaguejei, procurando em minha mente alguma justificativa.
Não que eu realmente fosse achar uma.
- Sabe, eu não tenho ciúmes das fãs. Claro, tinha ciúmes de Bella – ela começou, e esse nome fez meu estômago de revirar. Se ela soubesse do meu não-término com Bella aí que ia ferrar de vez. –, mas, agora que você não está mais com ela, eu não me sinto intimidada. Eu confio em você, meu amor. Por que você não pode fazer o mesmo?
“Meu amor”. Aquilo era golpe baixo.
- Sei lá! – exclamei, desconfortável com aquela situação. – Por que você dá motivo? – perguntei, na defensiva.
- Eu não dei motivo nenhum! – ela exclamou, sustentando o olhar no meu. – E você sabe disso!
- E aquele papo furado com Ben? Se aquilo não pode ser chamado de motivo, eu não sei mais o que pode... – argumentei, corando por me sentir como uma criança mimada.
Lua se levantou subitamente, jogando a pedra que servia de lápis no chão, com força. Levantei a cabeça, atordoado, e a encarei. Seus lábios estavam comprimidos e ela estava vermelha.
- Não dá pra conversar com você! – sussurrou, reprimindo um grito. Seus olhos estavam apertados de raiva, e sua testa franzida.
- Que pena, não é? – perguntei, irônico.
- Idiota! – ela exclamou, se virando de costas para mim e andando até a entrada da casa abandonada. Antes de entrar, virou-se e disse:
- Eu vim aqui tentar consertar as coisas, mas parece que tudo tem que ser dramático para o sr. Aguiar!
E desapareceu pela estradinha em meio ao mato.
Eu ainda fungava de raiva quando olhei para o chão. O desenho que ela fizera era um coração, e, dentro dele, estava escrito Lua e Thur, com uma fletcha atravesando-o.
Peguei a pedra no chão e, em um impulso infantil, fiz um “x” no coração.

Lua fala:

- Nenhum celular tem sinal! – Chay anunciou o que todos nós já sabíamos. Veio descendo correndo as escadas e sentou-se em sua mala. Todas as nossas malas estavam na sala e nós tentávamos decidir o que iríamos fazer, sentandos no lugar com a menor concetração de baratas mortas, o que era bem difícil de se achar naquela sala.
- Essa viagem tá ficando cada vez mais animada! – Melanie ironizou, virando os olhos.
Ficamos em silêncio novamente. Aliás, ultimamente, aquela era a única coisa que ouvíamos. O silêncio.
Melanie analisava as unhas, de vez em quando lançando um olhar de desdém para Chay. Aline jogava Snake no celular, dando pulinhos animados quando passava de fase. Sophia ouvia iPod e balança a cabeça despreocupadamente. Chay devorava a única barrinha de ceral restante – nós já havíamos acabado com todas – e olhava para Melanie como idiota, como se ninguém ali pudesse ver seus olhares apaixonados. Maker batucava com as inseparáveis baquetas na perna, fazendo caretas engraçadas. Micael jogava Game Boy distraído e Thur – que eu evitava olhar, depois de ele ter sido tão idiota comigo – tentava achar sinal em seu celular, sem muito sucesso.
Eu estava inquieta, magoada com Thur, entediada, perdida em um país estranho e, acima de tudo, com fome.
E vocês não queiram me ver com fome.
- Ah, pelo amor de Deus! – eu meio que gritei, levantando em um pulo. Melanie levantou os olhos das unhas, me olhando com curiosidade. Chay deu um pulo e desviou a atenção de Melanie. Maker deixou as baquetas caírem, Sophia tirou o fone de ouvido e me olhou, Aline soltou um palavrão porque morreu no Snake,Micael deu um gritinho gay e Thur continuou procurando sinal no celular, me ignorando. – Vamos fazer alguma coisa! Estamos de férias! Na Argentina! Qualé rapalé, ânimo!
Minha barriga roncou.
- E como você espera que tenhamos ânimo se não conseguimos sair daqui! – Micael perguntou, ligando novamente o GameBoy.
- E qual o seu plano? Ficar aqui jogando GameBoy até morrer de fome ou, por milagre de Deus, um Táxi passar aqui!? – perguntei, levantando uma das sobrancelhas estilo Maker Wash.
Micael deu de ombros, como se perdesse a guerra.
- Sério, gente. Vamos pegar nossas coisas e ir pelo menos até o final da rua! Eu não quero ficar presa aqui comendo... – olhei em volta, procurando algum exemplo. – Baratas!
Eles se entreolharam, como se pudessem ler mentes. Chay e Micael concordaram com a cabeça, Maker deu de ombros, e as meninas se levantaram, animadas.
- Certo, então vamos logos antes que escureça. – Sophia sugeriu, pegando sua mala no chão. – Eu não quero morrer de frio!
- Deixa que eu levo a sua. – Micael se ofereceu, pegando a mala de suas mãos. Sophia deixou escapar um sorriso, mas logo depois fechou a cara e respondeu um “obrigado” ríspido. Mas só por ela ter deixado, Micael ficara mais feliz. Maker e Chay seguiram o exemplo, pegando as malas das meninas. E a tensão do ar diminuíu, pelo menos um pouco.
Olhei para Thur, que, finalmente, guardava o celular no bolso. Ele me olhou com o canto dos olhos e murmurou, contrariado:
- Eu levo a sua.
- Muito obrigado, mas não precisa. – disse, colocando minha mala estilo vamos-acampar nas costas. – Eu sei me virar sozinha.
- Ok. Foda-se. – disse, pegando sua mala no chão e saindo da casa com a cabeça baixa. As meninas me olharam e eu dei de ombros. Mas sabia que não escaparia tão fácil. Mais cedo ou mais tarde elas iriam arrancar a verdade de mim.
Amigas estão sempre querendo saber se as outras amigas estão bem. E minhas amigas não eram muito diferentes do padrão normal.
Saímos na rua e o sol estava quase se escondendo.
- Acho que eu não chego até o final da rua! – Melanie resmungou, caminhando com a cabeça baixa. Isso porque nem estava carregando a mala.
Andamos até o final da rua. Chegando lá, encontramos uma avenida deserta, mas pelo menos era asfaltada. Em uma placa, algo escrito em espanhol havia sido apagado, e, em cima, um desenho de um pênis cintilava.
- Hm, acho que seu plano não deu muito certo Lu... – Chay me consolou, envolvendo-me pelos ombros. Sorri meio de lado, admitindo fracasso. Todos começaram a reclamar ao mesmo tempo, menos Thur, que olhava para o além, destraído.
Sentei-me no acostamento e coloquei a mala de lado. Olhei para um dos lados da avenida e vi uma luz prateada se aproximar rapidamente. Levantei-me em um pulo, enquanto os outros ainda estavam se sentando. Quando a luz chegou perto, pude reconhecer um Vectra prata. Mostrei o dedão, com medo de que aquilo, na Argentina, fosse algum tipo de ofensa.
Mas parecia que não, porque o carro encostou e o vidro preto pelo insulfilme começou a se abaixar.
E minha surpresa foi quase apalpável ao ver que se tratava de Ben Tiller.

Pelo menos naquele momento...

2 comentários:

  1. AHHHHHH VOCES QUEREM ME DEIXAR LOOOOOOOUCA??? POSTA MAAAAAAAAAAAAAAAAAIS :)

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  2. poooooooosta maaaaais, to enloooqueeencendo aqui

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